sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Vida ética e vida boa em Renato Janine Ribeiro

O tema da vida ética (boa) aparece na palestra de Janine Ribeiro como um paradoxo em relação à vida feliz. É necessário, contudo, que desde já se classifiquem essas categorias enquanto filosóficas. Por vida boa, o filósofo palestrante entende a vida levada eticamente. Já a vida feliz, ele a concebe como uma interpretação da realidade em vista apenas dos prazeres, sejam hedonistas ou não. A diferenciação de uma e de outra está no esforço requerido para a manutenção da primeira e na leveza da segunda e na forma como ambas se apresentam em relação aos demais indivíduos.

Contudo, o filósofo quer propor ao fim da sua apresentação que os dois caminhos podem se cruzar em algum lugar. Relembrando Édipo, na mitologia grega, sugere a moderação, a vida sem excessos, que poderia contemplar as consciências éticas e conduzir as realidades felizes.

A introdução do elemento psicológico é fundante na reflexão acerca da vida ética. Pois é na dimensão psicológica que ocorre o juízo do certo e do errado. Em decorrência disso, a aplicação da ética se resume na observação do código de ética estabelecido, não pelo comprometimento com a justiça, e por medo das punições psicossociais que estão ao seu redor.

Nessa perspectiva, a vida boa, que se pauta no bem, poderá, com a observação psicológica, pautar-se na redução ao mínimo do sofrimento pessoal e na capacidade – e até mesmo no esforço – para lidar com os problemas de cada dia, o que em escala levará a boa vida social.

Extremo e verdade, levantados como formas de experiência, também são importantes. O extremo sempre levará à falta da verdade. O conhecimento pessoal fica velado diante dos sentimentos de culpa. O conhecimento de si, ou seja, a maior verdade, não chega à consciência do individuo, que se autorreprime. As desculpas, que surgem como consolo, não convencem e por isso não satisfazem a seus próprios mentores.

A grande questão parece ser saber se é possível um crescimento pessoal ético que não passe necessariamente por um crescimento psicológico. Seria possível uma vida boa, no viés ético, que não fosse fruto de um conhecimento e domínio de si? E a vida boa, no viés da felicidade, não poderia perfeitamente dialogar com a vida boa de nível ético? Essas relações estão não somente em discussão na atualidade, mas são também experimentadas no dia-a-dia pelos indivíduos. Patamares alcançados de tolerância e de pluralização de valores seriam as mais perfeitas provas de que o homem caminha consciente de si, rumo à pluralidade.


Trabalho apresentado a disciplina Etica II - professor Edmar Martins

O nascimento da ética na Idade Grega

O primeiro capítulo do livro Ética dos maiores mestres através da história, de Olinto Pegoraro, traz o nascimento da ética na idade grega, considerando a ética da transcendência em Platão e a ética da imanência em Aristóteles. Basicamente as duas se divergem quanto à relação homem/sociedade. Enquanto Platão considera que as coisas humanas, sensíveis, são cópias das coisas ideais, supra-sensíveis, Aristóteles encontra razões naturais para as coisas, justificando-as em si mesmas.
Basicamente os três fundadores da filosofia grega são Sócrates, Platão e Aristóteles. Platão foi discípulo de Sócrates e toda a obra socrática deve-se a ele. Já Aristóteles, mesmo sendo discípulo de Platão, toma rumos contrários em sua filosofia. Em comum, todos têm a preocupação grega com a polis, partindo daí vem o zelo com a educação e formação de valores, para que o homem seja bom cidadão.
Em Platão o princípio supremo é o bem absoluto que aparece na República, mas toda sua obra gira em torno dessa categoria. As ações humanas no nível imanente, segundo ele, são medidas pelo bem transcendente. Daí a ideia de virtude, que nesse pensamento tem caráter definitivamente moral, levando à purificação da alma e à ascensão ao mundo superior. Isso através das relações de justiça que regem os elementos internos do homem, sua relação com a polis e com elementos superiores.
O máximo está na relação política, para qual, através do exercício da cidadania, o homem grego é formado. Platão reconhece que a sociedade é formada pelos indivíduos e sugere um governo aristocrático. Nele os sábios governariam, garantindo o equilíbrio entre todas as classes sociais, numa relação de justiça, que é o cerne da ética platônica.
Já Aristóteles possui um pensamento sobre ética mais sistematizado que Platão, como a Ética a Nicômaco, que dedica à educação de seu filho. Nele, a ética está em quatro eixos, conforme os quais ela é natural, finalista, racional e heterônoma. Isso valeu por durante quase 2000 anos, até ser convincentemente contra-argumentada na era moderna.
Em síntese, as idéias sustentadas nesses eixos estão em relação à aplicação da ética ao homem e à relação deste com a natureza e a sociedade. Ao dizer que ela é natural, quer no fundo mostrar que sendo o homem matéria como os demais seres, portanto imanente, ela desempenha também uma função metafísica. Clareia a ideia as relações de ato e potência, que expressam a dialética do movimento do homem com a natureza, do seu constante vir a ser. A ética, nesse caso, está na orientação para a liberdade.
Dessa liberdade, decorrente da causa, provém a relação de finalidade. Em Aristóteles, determinadas causas têm determinados fins. Como em Platão, causas éticas têm sempre como fim o bem. Contudo, aqui existe uma hierarquia de bens que se dispõem conforme a busca da felicidade se apresentar. Esta deve ser uma função da alma, só desse modo será buscada pelo uso da razão, como faculdade própria dos humanos, com princípios éticos. No entanto, à felicidade Aristóteles recomenda não apenas princípios interiores, mas também bens exteriores, como a amizade, por exemplo.
A racionalidade da ética é a sua dimensão que ajuda a controlar os instintos humanos, mesmo assim não podendo aniquilá-los ou suprimi-los. Esses instintos, em si mesmos, não são éticos ou antiéticos, mas assumem tal dimensão quando a capacidade intelectiva age sobre eles, dando-lhes cumprimento, esse sim, pode ser ético ou não. Prudência e sabedoria são virtudes intelectivas que agem sobre os instintos humanos. Pela primeira, o intelecto humano governa as tendências da sensibilidade e do instinto. Pela segunda, eleva-se acima das realidades mutáveis, chegando às verdadeiras essências das coisas, que são o bem, a justiça e a verdade.
Também a relação cidadão/polis é importante em Aristóteles. Cidadão não é apenas aquele que mora na cidade, mas aquele que ajuda a administrá-la, fazendo e executando suas leis, por isso são poucos na polis pensada por Aristóteles. Os homens são regidos por uma constituição que define as leis e estabelece a autoridade e as funções públicas. Sobre o governo, aceita as formas monárquico, aristocrático e democrático exercido por muitos e repudia a tirania, a oligarquia e a democracia exercida por poucos. Assim, a formação do cidadão para a justiça e o gerenciamento do bem comum a todos são os dois eixos da ética e da política aristotélica que se verificará numa polis estável e pacífica.
O que se verifica do modelo ético grego é a fundamentação que faz na relação do homem com a natureza. O homem grego, embora essa ideia venha carregada de vícios, pauta seu agir moral na dimensão completa de si mesmo, de seu autoconhecimento. Tanto Platão quanto Aristóteles idealizam um homem que, vivendo em padrões éticos, se coloque em relação à sociedade como um fator construtivo, transformador, fazendo-a melhor, seja por sua autonomia, entendida no estagirita, ou pela reprodução das formas ideais, conhecidas no discípulo de Sócrates.


Trabalho apresentado a disciplina Ética II - professor Edmar Martins

Considerações acerca de O Principe de Maquiavel

É essencialmente um tratado de ciência política, que Nicolau Maquiavel oferece a Lourenço de Médici pretendendo, ganhando-lhe a amizade, ser novamente convidado ao governo. Traduz, de modo claro, a preocupação de um republicano patriota com o estabelecimento e a manutenção de um estado forte, capaz de enfrentar as agressões externas e a sublevação interna. Em vias gerais a grande pergunta que norteia a obra é: Como será possível manter os súditos dominados? A resposta vem de um método histórico e comparativo usado pelo autor, através do qual prenuncia vitórias e fracassos de um príncipe. Aparentemente, seu propósito é mostrar como os eventos são condicionados pelas circunstâncias nas quais acontecem, identificando suas causas e trazendo ao conhecimento os princípios gerais que subjazem às relações e ao comportamento humano.

Sobre a ideia do título, cabe lembrar que a figura do príncipe não remonta a uma instituição monárquica e nem a uma forma de governo, mas ao estado em si, fundado e estruturado sobre bases sólidas. A obra, que se divide em 26 capítulos, se desenvolve a partir de três teses essenciais, que são: Governar o curso dos eventos através da sorte, ou virtù, mais clara nos sete primeiros capítulos; governar as duas correntes, os grandes e o povo, sobre o que discorre entre os capítulos oitavo e décimo quarto; e governar as representações, tratando das impressões que o príncipe deve suscitar no seu povo, sem necessariamente ter coerência interna. Dessa tese trata nos capítulos finais, excetuando-se o último, no qual coloca com clareza suas pretensões com relação ao futuro do governo da Itália.

Maquiavel presume a diversidade das formas de governo. Monárquicos, republicanos, eclesiásticos, principados hereditários e mistos. Neste último, reconhece as dificuldades de um governo firme e sobre ele delineia seu trabalho. Trata da ascensão do príncipe novo ao poder, chegando a ele, cabe saber mantê-lo, o que, em determinadas circunstâncias, pode ser muito difícil. Questões de línguas, costumes e leis são fortes adversárias do novo príncipe quando são diferentes daquelas as quais originalmente o governo mantém em seu território. Neste caso, Maquiavel recomenda que o príncipe vá morar entre seus novos súditos, permitindo-lhe reprimir rapidamente as desordens surgidas. Deve ainda estabelecer colônias para treinamento militar e cultivar boa amizade com os visinhos fracos, evitando que poderosos e fortes se instalem entre eles. Para isto, o importante, segundo Maquiavel, é o bom uso da sorte e da virtude, que embora façam dificultar a conquista do território, ajudam em muito a mantê-lo.

Contudo, nem sempre a conquista do território pelo novo príncipe se faz por seu próprio mérito, mas pela luta e sorte de outros. Nestes casos o novo príncipe não sabe e nem pode manter o seu poder, pois como cidadão privado não sabe comandar e não tem forças para tanto, além de o estado surgido de improviso não ter estruturas correspondentes sólidas. O príncipe que consegue estabelecer com profundidade seu poder nesses estados é astuto, pois foi capaz de eliminar possíveis traidores, reestruturando a organização dos súditos, de modo que revertesse a favor de si as circunstâncias que o condenariam.

No entanto, o príncipe precisa saber governar os fortes e o povo. Necessariamente aquele que chega ao poder pela força dos grandes, mantém-se mais facilmente nele. Mas os que chegam pelo poder popular podem governar sozinho, além de poucos ao seu redor não estarem dispostos a obedecer-lhe. Maquiavel propõe ainda que o príncipe se preocupe mais em agradar ao povo que aos grandes, pois as pretensões populares são mais honestas. Com isso o governante faz que o povo esteja mais preso à sua pessoa, tendo-o como amigo a fim de que tenha salvação nas adversidades. Apesar disso, o príncipe não deve representar nem os grandes, nem o povo, deve ser uma autoridade independente que governe essas duas correntes contrárias e mantenha essa heterogeneidade num equilíbrio conveniente, não estando preso nem a um, nem a outro. Destaca a exceção dos principados eclesiásticos, que mesmo não governando seus súditos e não defendendo seus estados os mantém com segurança e felicidade.

Com relação às milícias, soldados e exércitos com os quais o príncipe defende seu território, Maquiavel os separa entre próprios, mercenários, auxiliares e mistos. Sendo que as mercenárias e auxiliares são perigosas e inúteis, já que lutam em favor de si mesmas e podem, quando seus comandantes têm aspirações políticas, trair o príncipe. O ideal seria criar e manter bem preparado o próprio exército, com o qual o príncipe poderia manter-se seguro. Mesmo encontrando soldados dessas tropas que se juntam às tropas mercenárias, o que chama de tropas mistas. A relação entre o príncipe e os exércitos está, segundo Maquiavel, no comando que deve exercer com organização e disciplina, buscando ser profundo conhecedor da arte da guerra.

O autor chama ainda a atenção para os modos e a conduta do príncipe para com os súditos e amigos, ou seja, sua representação para com eles. A afirmação “é preciso a um príncipe que queira se manter, aprender a poder não ser bom, e usá-lo ou não, segundo a necessidade”, é o ponto central da relação príncipe/povo. A qualidade do príncipe não é ser virtuoso, mas parecer ser, demonstrando qualidades apropriadas momento oportuno. É saber ser bom quando pode sê-lo e cruel quando precisar sê-lo. Agir com liberalidade e parcimônia, com piedade e crueldade. Ao manter as relações de força, deve ser leão, mas como a raposa não se deixar prender. Não deve prender-se a princípios, mas ser astuto, pois é mais importante parecer respeitar leis e tradições que respeitá-las de fato. Além disso, deve buscar ser amado, mas em todo caso, ser temido pode ser mais vantajoso, pois o temor é um sentimento duradouro. O príncipe deve ainda ser cauteloso na escolha de seus ministros e substituí-los sempre achar por bem. Precisa também cuidar de seus conselheiros, de modo que ao acatar seus conselhos pareça ter ele mesmo os pensado, evitando os aduladores.

À falta de observância a essas características levantadas para o príncipe a partir do conhecimento histórico dos governos, Maquiavel considera a derrocada dos príncipes da Itália que perderam seus estados. Pois, durante a bonança não previram a tempestade, restando-lhes fugir diante do perigo, uma vez que ao príncipe é melhor ser impetuoso que cauteloso. O fim da obra é a exortação para a tomada da defesa da Itália e para libertá-la das mãos dos bárbaros. Para ele, na Itália não faltavam motivos para qualquer reforma. Faltava apenas uma disciplina que se pudesse aplicar pelos novos líderes, em vista de uma tomada eficiente do poder, liberto da dominação religiosa, numa atitude e visão bastante renascentista de mundo.

Desse modo, nota-se que a atividade política em Maquiavel é a atividade dos indivíduos que detêm o poder, em diferentes formas e graus, e se empenham em mantê-lo e ampliá-lo. O Príncipe é um ensaio sobre a forma como o governante deve ordenar as forças da natureza a seu próprio favor. Contudo, não parece que houvesse nele uma preocupação com os resultados do poder, mas sim com o fenômeno do poder em si. Apesar disso, a ideia de que a política é moralmente neutra aparece quase como que uma novidade em Maquiavel, simbolizando seu rompimento com a forma medieval de pensar.


Apresentado à disciplina Filosofia política, professor Sérgio Duarte