É essencialmente um tratado de ciência política, que Nicolau Maquiavel oferece a Lourenço de Médici pretendendo, ganhando-lhe a amizade, ser novamente convidado ao governo. Traduz, de modo claro, a preocupação de um republicano patriota com o estabelecimento e a manutenção de um estado forte, capaz de enfrentar as agressões externas e a sublevação interna. Em vias gerais a grande pergunta que norteia a obra é: Como será possível manter os súditos dominados? A resposta vem de um método histórico e comparativo usado pelo autor, através do qual prenuncia vitórias e fracassos de um príncipe. Aparentemente, seu propósito é mostrar como os eventos são condicionados pelas circunstâncias nas quais acontecem, identificando suas causas e trazendo ao conhecimento os princípios gerais que subjazem às relações e ao comportamento humano.
Sobre a ideia do título, cabe lembrar que a figura do príncipe não remonta a uma instituição monárquica e nem a uma forma de governo, mas ao estado em si, fundado e estruturado sobre bases sólidas. A obra, que se divide em 26 capítulos, se desenvolve a partir de três teses essenciais, que são: Governar o curso dos eventos através da sorte, ou virtù, mais clara nos sete primeiros capítulos; governar as duas correntes, os grandes e o povo, sobre o que discorre entre os capítulos oitavo e décimo quarto; e governar as representações, tratando das impressões que o príncipe deve suscitar no seu povo, sem necessariamente ter coerência interna. Dessa tese trata nos capítulos finais, excetuando-se o último, no qual coloca com clareza suas pretensões com relação ao futuro do governo da Itália.
Maquiavel presume a diversidade das formas de governo. Monárquicos, republicanos, eclesiásticos, principados hereditários e mistos. Neste último, reconhece as dificuldades de um governo firme e sobre ele delineia seu trabalho. Trata da ascensão do príncipe novo ao poder, chegando a ele, cabe saber mantê-lo, o que, em determinadas circunstâncias, pode ser muito difícil. Questões de línguas, costumes e leis são fortes adversárias do novo príncipe quando são diferentes daquelas as quais originalmente o governo mantém em seu território. Neste caso, Maquiavel recomenda que o príncipe vá morar entre seus novos súditos, permitindo-lhe reprimir rapidamente as desordens surgidas. Deve ainda estabelecer colônias para treinamento militar e cultivar boa amizade com os visinhos fracos, evitando que poderosos e fortes se instalem entre eles. Para isto, o importante, segundo Maquiavel, é o bom uso da sorte e da virtude, que embora façam dificultar a conquista do território, ajudam em muito a mantê-lo.
Contudo, nem sempre a conquista do território pelo novo príncipe se faz por seu próprio mérito, mas pela luta e sorte de outros. Nestes casos o novo príncipe não sabe e nem pode manter o seu poder, pois como cidadão privado não sabe comandar e não tem forças para tanto, além de o estado surgido de improviso não ter estruturas correspondentes sólidas. O príncipe que consegue estabelecer com profundidade seu poder nesses estados é astuto, pois foi capaz de eliminar possíveis traidores, reestruturando a organização dos súditos, de modo que revertesse a favor de si as circunstâncias que o condenariam.
No entanto, o príncipe precisa saber governar os fortes e o povo. Necessariamente aquele que chega ao poder pela força dos grandes, mantém-se mais facilmente nele. Mas os que chegam pelo poder popular podem governar sozinho, além de poucos ao seu redor não estarem dispostos a obedecer-lhe. Maquiavel propõe ainda que o príncipe se preocupe mais em agradar ao povo que aos grandes, pois as pretensões populares são mais honestas. Com isso o governante faz que o povo esteja mais preso à sua pessoa, tendo-o como amigo a fim de que tenha salvação nas adversidades. Apesar disso, o príncipe não deve representar nem os grandes, nem o povo, deve ser uma autoridade independente que governe essas duas correntes contrárias e mantenha essa heterogeneidade num equilíbrio conveniente, não estando preso nem a um, nem a outro. Destaca a exceção dos principados eclesiásticos, que mesmo não governando seus súditos e não defendendo seus estados os mantém com segurança e felicidade.
Com relação às milícias, soldados e exércitos com os quais o príncipe defende seu território, Maquiavel os separa entre próprios, mercenários, auxiliares e mistos. Sendo que as mercenárias e auxiliares são perigosas e inúteis, já que lutam em favor de si mesmas e podem, quando seus comandantes têm aspirações políticas, trair o príncipe. O ideal seria criar e manter bem preparado o próprio exército, com o qual o príncipe poderia manter-se seguro. Mesmo encontrando soldados dessas tropas que se juntam às tropas mercenárias, o que chama de tropas mistas. A relação entre o príncipe e os exércitos está, segundo Maquiavel, no comando que deve exercer com organização e disciplina, buscando ser profundo conhecedor da arte da guerra.
O autor chama ainda a atenção para os modos e a conduta do príncipe para com os súditos e amigos, ou seja, sua representação para com eles. A afirmação “é preciso a um príncipe que queira se manter, aprender a poder não ser bom, e usá-lo ou não, segundo a necessidade”, é o ponto central da relação príncipe/povo. A qualidade do príncipe não é ser virtuoso, mas parecer ser, demonstrando qualidades apropriadas momento oportuno. É saber ser bom quando pode sê-lo e cruel quando precisar sê-lo. Agir com liberalidade e parcimônia, com piedade e crueldade. Ao manter as relações de força, deve ser leão, mas como a raposa não se deixar prender. Não deve prender-se a princípios, mas ser astuto, pois é mais importante parecer respeitar leis e tradições que respeitá-las de fato. Além disso, deve buscar ser amado, mas em todo caso, ser temido pode ser mais vantajoso, pois o temor é um sentimento duradouro. O príncipe deve ainda ser cauteloso na escolha de seus ministros e substituí-los sempre achar por bem. Precisa também cuidar de seus conselheiros, de modo que ao acatar seus conselhos pareça ter ele mesmo os pensado, evitando os aduladores.
À falta de observância a essas características levantadas para o príncipe a partir do conhecimento histórico dos governos, Maquiavel considera a derrocada dos príncipes da Itália que perderam seus estados. Pois, durante a bonança não previram a tempestade, restando-lhes fugir diante do perigo, uma vez que ao príncipe é melhor ser impetuoso que cauteloso. O fim da obra é a exortação para a tomada da defesa da Itália e para libertá-la das mãos dos bárbaros. Para ele, na Itália não faltavam motivos para qualquer reforma. Faltava apenas uma disciplina que se pudesse aplicar pelos novos líderes, em vista de uma tomada eficiente do poder, liberto da dominação religiosa, numa atitude e visão bastante renascentista de mundo.
Desse modo, nota-se que a atividade política em Maquiavel é a atividade dos indivíduos que detêm o poder, em diferentes formas e graus, e se empenham em mantê-lo e ampliá-lo. O Príncipe é um ensaio sobre a forma como o governante deve ordenar as forças da natureza a seu próprio favor. Contudo, não parece que houvesse nele uma preocupação com os resultados do poder, mas sim com o fenômeno do poder em si. Apesar disso, a ideia de que a política é moralmente neutra aparece quase como que uma novidade em Maquiavel, simbolizando seu rompimento com a forma medieval de pensar.
Apresentado à disciplina Filosofia política, professor Sérgio Duarte