quarta-feira, 16 de junho de 2010

O Pitagorismo: Pitágoras e os Pitagóricos


Pitágoras nasceu em Samos, conheceu o mundo egípcio e viajando para a Itália funda sua escola, chamada pitagórica, cuja filosofia é eclética, fazendo fusão de elementos religiosos e morais às conclusões científicas por ela chegadas. Essa escola, também chamada itálica, inicia-se no século VI a. C. e se prolonga por uns duzentos anos. Seu grande feito liga-se à matemática, partindo da tomada do número como princípio metafísico e de, por ele, considerar como tal elemento o ilimitado e o limitante, já que é daí que se origina também o número. Pitagorismo, Pitágoras e os pitagóricos não são, de modo algum, estudados separadamente, já que os escritos sobre essa doutrina são todos oriundos dos discípulos de Pitágoras. Há também nessa doutrina uma nova concepção de universo e de homem, além de uma filosofia ligada à forma de vida que os adeptos seguiam fielmente.

Palavras - chave: Pitágoras, pitagorismo, número, cosmo.



INTRODUÇÃO



O presente trabalho revisa, em vias gerais, o pitagorismo, visto em seu conjunto, iniciando por seu idealizador Pitágoras e seus seguidores, assim como uma abordagem da doutrina por eles pregada.
Aborda a figura de Pitágoras como um grande homem e doador de grande contribuição ao pensamento e ao desenvolvimento progressivo da humanidade no seu fluxo histórico.
Usando de textos de alguns historiadores da filosofia, como Mondin, Abbagnano e principalmente Reale, além de alguns dicionários, o texto que segue tenta informar a vida de Pitágoras, dentro do seu contexto; a fundação e filosofia de sua escola, mencionando alguns seguidores; a concepção metafísica feita do número e a relação desse princípio primeiro pitagórico em contraposição aos dos jônios; a visão pitagórica do cosmo, como aquilo que é dotado de ordem, sendo ele, ordenação perfeita; a fé pitagórica na sua ligação com a ciência e a partir dessa relação a vida pitagórica; por fim, algumas aporias, ou seja, contradições, a cerca do pitagorismo, primeiramente em um âmbito de deus e do divino e, posteriormente, no da alma.
Nota-se a importância desse período da filosofia para sua história, uma vez que a doutrina dessa escola está em seguimento, numa linha diferenciada, da dos jônios, o que indica progresso histórico e também por servir de base para pensamentos posteriores, como por exemplo, Aristóteles que chega citar os pitagóricos e principalmente Platão e sua Academia que dão seqüência a alguns pensamentos deles, como foi o caso da vida contemplativa, que busca a purificação através da verdade e do conhecimento, iniciada pelos pitagóricos e que tem expressão máxima no Górgias e no Fédon de Platão.
Em relação à aplicação da doutrina pitagórica, vários efeitos foram notados, principalmente na forma de ver as coisas. Sabe-se que desde Hesíodo até Pitágoras se pensava no mundo como caos, ou seja, ausência de ordem, mas agora, sob nova perspectiva, passa ser visto como cosmo, ou seja, como universo ordenado. Outra mudança de padrões aconteceu quanto a concepção de homem, que se refaz, contrariando aquelas tomadas como certas desde Homero.
Por fim, cabe salientar a importância de Pitágoras na matemática, principalmente no que refere ao triângulo retângulo, com a célebre fórmula: a soma do quadrado dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa e vários outros feitos nesse sentido.
Esta escola, a que chamamos pitagórica, teve caráter, além de filosófico, também científico, ético, religioso e político, tendo sua doutrina mantida como sigilo inicialmente. Baseava-se em formas de vida prudentes e educativas, mantendo, entre seus seguidores, perfeita comunidade de vida.


O PITAGORISMO: PITÁGORAS E OS PITAGÓRICOS


Abordagem acerca de Pitágoras

Segundo Mondin (2007), Pitágoras pertence ao grupo restrito dos grandes mestres da humanidade. Mas esta posição de altíssimo prestígio lhe vem mais das doutrinas ascéticas e religiosas do que das filosóficas, apesar de ter dado a estas uma contribuição decisiva. Cultivava ao mesmo tempo várias capacidades, como a matemática, a geometria, a astronomia, a filosofia, a ascese e a mística.
Não se tem nada conservado de seus escritos, restando apenas muitos testemunhos indiretos a seu respeito, os quais mostram que ele nasceu em Samos, mais ou menos em 571 a.C. e segundo Abbagnano, era filho de Mnesarco e fora discípulo de Ferecides de Siros e de Anaximandro. Ainda jovem, fez várias viagens, inclusive ao Egito onde teve contato com os lugares sagrados e aprendeu as mais secretas doutrinas sobre os deuses. Quando de volta à pátria, essa estava sob a tirania de Polícrates, o que o fez ir para Crotona, na Itália, em 572-71 onde deu leis aos italiotas e com seus discípulos adquiriu grande fama.
Sobre sua estada na Itália, Reale (1993) diz que não tinha como intuito principal a pesquisa científica, mas a realização de um determinado tipo de vida, com relação ao qual a pesquisa científica não era o fim, mas o meio para alcançá-lo, seria ela um bem comum, ao qual todos os adeptos aspiravam e buscavam incrementar.
Nunes (1959) ainda menciona algumas afirmações curiosas de Pitágoras. Por exemplo, quando ele observa o céu estrelado, os corpos celestes e admira a ordem e a harmonia que existe. Concluindo que no mundo dos astros, belo e infinito, reina a harmonia. Ao mesmo tempo, diz que no mundo real reina a desordem, a competição e a maldade. Este mundo de coisas perecíveis e mutáveis é um tipo de exílio, o homem, o sábio, o filósofo anseia libertar-se dele para eternamente impregnar-se da totalidade e da harmonia do universo.
Com relação ao fim de sua vida, Reale (1993) diz que seus discípulos relatam a perda de suas características humanas, sendo considerado e venerado como um nume, ou seja, uma divindade. À data de sua morte atribui-se os primeiros anos do século V a.C. e Abbagnano (1998) a precisa entre 497-496. Mondin (2007) atribui a Pitágoras a origem da escola pitagórica ou itálica. Entre seus principais expoentes estão Filolau e Arquita, contemporâneos de Sócrates e de Platão. Esta escola teve caráter além de filosófico, também científico, ético, religioso e político, e mantinha entre seus seguidores, perfeita comunidade de vida.

A escola pitagórica

Reale (1993) introduz o seu capítulo relacionado a isso dizendo: “Com os Pitagóricos passamos da Jônia à Itália meridional”, mencionando a migração que Pitágoras inicia do pensamento e do estudo filosófico até então sustentado pelos Jônios, buscando aperfeiçoá-lo e afiná-lo, tocando, inclusive, os limites extremos da physis por eles aberto.
Reale (1993) também tenta frisar a identidade coletiva dos Pitagóricos, falando dos Pitagóricos em geral e não de um ou outro particularizado. Não acha possível também, a distinção entre Pitágoras e os pitagóricos, ou seja, separar mestre e discípulos, uma vez que não temos nada escrito por Pitágoras e por isso, o que sabemos dele é fruto do trabalho de seus discípulos, havendo então uma fusão de pensamentos entre os discípulos e o mestre, que embora caracterize fielmente o pitagorismo, não deixa conhecer separadamente os seus integrantes.
Mondin (2007) relaciona a doutrina jônica à dos pitagóricos. Os primeiros haviam lançado as bases da metafísica como interpretação unitária da realidade. Mas, ainda fortemente ligados a mentalidade experimentalista, não conseguiram descobrir a existência de uma realidade propriamente metafísica e identificaram o princípio supremo com os dados empíricos: o ar, a água, ou o fogo.
Pitágoras prossegue a indagação iniciada por eles, em torno do princípio. Mas, graças a sua mentalidade matemática e abstrativa, não lhe foi difícil separar-se das aparências sensíveis e dos elementos materiais. Assim pôde identificar o primeiro princípio das coisas com um elemento imaterial, o número. Isso através da expressão de natureza dos números e as relações das figuras geométricas, a tonalidade dos sons e a lei de sua harmonia, a regularidade dos movimentos celestes, a essência da virtude e dos valores espirituais, a sucessão dos dias, dos meses, dos anos, as diferenças entre as coisas e etc.
Vê-se aqui que a identificação do princípio primordial com o número permitiu a Pitágoras arquitetar a engenhosa derivação pela qual a multiplicidade procede da unidade, o que para os jônios era absolutamente impossível.
A princípio, as doutrinas dessa escola eram mantidas como segredo, ao qual somente os adeptos teriam acesso, o que impedia a sua divulgação diferentemente das outras escolas. Sabe-se que o primeiro pitagórico a ter obras publicadas foi Filolau, que, em sua época, já pertencia a um sistema mais evoluído de pitagorismo, embora ainda seja difícil precisar se este tenha pertencido ao primeiro ou ao segundo pitagorismo, uma vez que este sistema de pensamento só é analisado em seu conjunto.
Aristóteles, em Metafísica, refere-se aos pitagóricos como: “Os assim chamados pitagóricos”, dando a impressão de que ele possuísse conhecimento escasso a esse respeito. Explicando isso, Reale (1993) cita Timpanaro Cardini que diz:
[...] porque se encontra diante de um fato singular: dos outros filósofos antes nomeados, cada um representava a si mesmo; tinham certamente discípulos e seguidores, mas sem particulares ligações de escola. Os pitagóricos ao invés, constituem um fenômeno novo: estudam e trabalham, para usar um termo moderno, em equipe; o seu nome é um programa, uma sigla; enfim, é um termo técnico, indicando determinada orientação mental, certa visão da realidade sobre a qual concordam homens e mulheres e pátria e condições diferentes. Aristóteles capta esta característica, sente que, introduzindo os pitagóricos no discurso, deve em certo sentido prevenir certa admiração de quem ouve ou lê: como! Até agora foram apresentadas figuras bem individuadas de filósofos, cada um com as suas visões pessoais; e agora aparece, esse grupo, com o nome de grupo, mas indiferenciado quanto aos indivíduos que o compõe? Exatamente assim se chamam, assegura Aristóteles, tal é a denominação oficial que eles têm como Escola, e que, no curso do tempo, representa a unidade e a continuidade da sua doutrina (CARDINI apud Reale, 1993, 76).


À luz dessa menção feita a Aristóteles e dos elementos acima mencionados, conclui-se que o pitagorismo deve ser visto na unidade de seu conjunto, sem separar de modo algum, Pitágoras dos pitagóricos, ou a escola pitagórica de suas doutrinas.

O papel metafísico do número

Ivan Gobry (2007), em seu Vocabulário Grego de Filosofia, discorre numa visão moderna sobre o número, a partir de sua forma grega ἀριθμός, considerando-o uma noção importante para os filósofos, pois o número é uma pura abstração, obtida pela razão a partir da realidade. Tal conceito é contrariado por Reale (1993), que a partir da visão da representação arcaica do número, coloca-o como a mais real das coisas, que como tal, pode ser princípio constitutivo das demais. Gobry (2007) menciona o ensino da aritmética, já muito desenvolvido, nas escolas filosóficas, sobretudo entre os pitagóricos, que aqui se estudam, e também, na Academia platônica, que basicamente repetia os ensinamentos dos primeiros. Ressalta que o interesse do número na filosofia vem, de fato, dos pitagóricos, que a ele atribuíam valor metafísico. Quer dizer, para eles, o número era o princípio de todas as coisas, por ser o que há de mais racional nelas.
Um dos seguidores ilustres do pitagorismo escreveu: “A natureza do número é a mestra do conhecimento (Filolau apud Gobry, 2007, p 29)”, por atribuírem a ele esse valor transcendental, sendo o princípio das coisas em sua diversidade, não podendo confundi-lo com o Uno.
Pode-se dizer então, o papel que Tales deu à água, que Anaximandro deu ao apeíron (alguma coisa indeterminada), que Anaxímenes deu ao ar e que Heráclito deu ao fogo, agora os pitagóricos dão ao número, mudando radicalmente as perspectivas dos jônios. Reale (1993) lista algumas observações que levaram os pitagóricos a essas conclusões, como por exemplo, as realidades e fenômenos naturais que são perfeitamente traduzíveis por relações numéricas e representáveis de modo matemático; outra observação foi relacionada à música, que lhes servia como meio de purificação, também traduzidas por números e determinações numéricas, assim como a diversidade dos sons que produzem os martelos ao bater sobre a bigorna depende da diferença do seu peso; ou, a diversidade dos sons de um instrumento de corda que depende do comprimento delas; e em geral foram eles que descobriram as relações harmônicas de oitava, de quinta e de quarta e as leis matemáticas que as governam.
Observaram também a precisão das leis numéricas ligadas ao cosmo, por exemplo, as que regem os anos, meses, dias, estações, os ciclos do feto e do desenvolvimento e outros fenômenos da vida. Por essas e muitas outras evidências, chegaram a conclusão de que o número fosse o princípio de todas as coisas.
Mondin (2007) diz que a identificação do princípio primordial com o número permitiu a Pitágoras arquitetar engenhosa derivação pela qual a multiplicidade procede da unidade, o que para os jônios era absolutamente impossível. Derivação esta parte das espécies do número, par e ímpar, contrárias entre si e fundamento último de toda a contrariedade. Delas derivam o limitado e o ilimitado, o bem e o mal, a unidade e a multiplicidade o masculino e o feminino e todos os outros contrários. O ímpar representa o que é perfeito, determinado, bom; o par representa o que é imperfeito, indeterminado, mau.
Reale (1993) explica que a identificação do número par como ilimitado e impar como limitado é bem caracterizado na forma primitiva de representar o número como conjunto de pontos geometricamente dispostos. Nesse sistema se pode imaginar um número par, disposto em pontos divididos igualmente em duas linhas, entre as quais uma seta pode passar e dirigir-se ao infinito, sem encontrar nenhum ponto de parada; o contrário disso acontece com os números impares, que não podem ser igualmente dispostos em duas linhas, sobrando sempre um ponto entre elas, que servirá de ponto de parada, simbolizando sua determinação.
Aqui, Reale (1993) conclui que para os pitagóricos os princípios primeiros são o ilimitado e o limitante, pois neles está a origem dos números, que sintetizam ambos os elementos, de forma que se pode ver isso claramente na representação acima citada dos números ímpares, como derivação do limitante e dos pares derivando-se do ilimitado, passando o número ser elemento delimitante e determinante de todas as coisas.
Os pitagóricos elaboram um sistema para a passagem do número às coisas. Para eles não era difícil imaginar tal coisa, como exemplifica Reale (1993), uma vez que o número era algo visto, representado com pedrinhas, pontinhos, ou desenhado como conjunto de pontos, formando, portanto, figura. Isso acarretava na concepção do número como algo que ocupa espaço, que tem massa, tipo de figura sólida, o que, naquele modo primitivo, era perfeitamente possível e natural.
A partir daqui, é possível entender, ao modo pitagórico, a sua razão em assemelhar o número um ao ponto, o dois à linha, o três a superfície, o quatro ao sólido. E a tentativa, atribuída a Filolau de assimilar os quatro elementos aos sólidos geométricos, a terra ao cubo, a água ao icosaedro, o fogo à pirâmide e o ar ao octaedro, também pode ser entendida nesse contexto, pois a analogia podia muito bem ser aplicada através da dedução.

O cosmo

Em síntese do que foi o Pitagorismo em relação ao cosmo, Mondin (2007) faz uma comparação com Tales e os outros filósofos da escola de Mileto, uma vez que Também Pitágoras demonstrou grande interesse pela astronomia e elaborou um grande sistema voltado para a definição exata das posições que os corpos celestes ocupam no universo. Para ele, o cosmo dispõe-se em torno de um foco central, princípio ativo e determinador. Em seu torno, estão os dez corpos cósmicos: as estrelas fixas, os cinco planetas então conhecidos, o sol, a lua, a terra e antiterra (invenção para explicar o eclipse).
Para Reale e Antiseri (2005), a conclusão chegada pelos pitagóricos de que o número é ordem e se tudo é determinado pelo número, tudo deve, então, ser ordem, que em grego se diz Kosmos, por isso, assim chamaram o universo, usado ai pela primeira vez e por conseguinte incorporado para todos os estudos posteriores. Platão, referindo-se aos pitagóricos, diz: “Os sábios [...] dizem que céu, terra, deuses e homens são mantidos juntos pela ordem, pela sabedoria e pela retidão: e é por esta razão [...] que eles chamam esse todo de cosmo (Platão apud Reale, 2003, p. 85).”

A fé pitagórica

Reale (1993) diz que Pitágoras foi o primeiro a ensinar a doutrina da metempsicose, doutrina segundo a qual a alma é constrangida a reencarnar-se muitas vezes, não só em formas humanas, mas também animais, até que se expie da culpa original. Os estudiosos concluem hoje que Pitágoras tenha extraído essa crença do orfismo, religião dos mistérios existente na Grécia séculos antes. Nota-se, como diferença, que os órficos honravam a Dionísio, para quem é sagrada a orgia entusiástica, e os pitagóricos a Apolo, a quem é sagrada a razão e a ciência. Isso é tido como princípio básico da reformulação do orfismo feito por Pitágoras, para que houvesse a conciliação da religião com a filosofia.
A partir disso, vê-se que a alma é imortal, perpassa a existência do corpo, tendo natureza divina enquanto o corpo tem natureza mortal e corruptível, servindo a união, alma-corpo de punição à primeira, pela culpa original. Assim, o homem deve viver não em função do corpo, mas da alma, ou seja, levar uma vida capaz de purificá-la, desatando-a dos laços contraídos com o corpo.
Distinguem-se também dos órficos pelos meios de purificação entendidos pelos pitagóricos, que se para eles se atribui à ciência, enquanto para os órficos, se atribui ás celebrações e aos rituais mágicos. Assim, os pitagóricos viveram de forma inovadora aos olhos da Grécia, modo este capaz de responder as necessidades não respondidas pelas religiões tradicionais.
Mondin (2007) diz que graças à concepção espiritualista do homem, que, como vimos, é essencialmente alma, Pitágoras propõem um código moral bastante rigoroso. Recomenda ao homem que realize o elemento divino, presente nele, praticando a virtude. Este é o modo mais eficaz para impor ordem às paixões e para conduzir a existência humana a participar da harmonia “das esferas celestes”. Para a consecução da virtude, Pitágoras sugeria aos seus discípulos a prática de alguns exercícios e rituais, como o seguimento aos deuses e o cuidado com o que se diz, abster-se de carne e evitar as mulheres. Recomendava ainda, segundo Mondin, a contemplação da ordem matemática em que o universo reina. Para melhorar a harmonia da alma, cultivava-se a música e para conservar a saúde do corpo praticava-se a ginástica e a dedicava-se à medicina.
Isso fazia parte, inclusive, da admissão à escola. Reale (1993) enumera as fases de acolhida do novo adepto, iniciando por um período, considerado o mais difícil, que consiste em calar e escutar, depois se podia fazer algumas perguntas acerca da música, da aritmética e da geometria, ai se podia também escrever o que se aprendia, e por ultimo, passavam ao estudo de toda a natureza do cosmo. O mestre se escondia, como que para separar o saber da pessoa que estava para aprender, como se fosse um oráculo, em que o mestre iniciava suas palavras usando a expressão grega αuτος εφα, ou seja, disse ele, indicando a divindade do saber para eles. Valorizava-se extremamente o silêncio e a falta dele, implicava em punição.

Aporias estruturais do pitagorismo

Primeiramente é interessante definir o que quer dizer aporia. Conforme narra o Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa (1999, online), quer dizer, no âmbito da história da filosofia, um conflito entre opiniões contrárias e igualmente concludentes, em resposta a uma mesma questão. Semelhante a isso, é a definição de Nicolla Abbagnano (1998), que diz que esse termo é usado no sentido de dúvida racional, isto é, de dificuldade inerente a um raciocínio, e não no de estado subjetivo de incerteza. É, portanto, a dúvida objetiva, a dificuldade efetiva de um raciocínio ou da conclusão a que leva um raciocínio.
Estas aporias, dentro do pitagorismo, dividem-se em dois grupos, um relativo a deus e ao divino e outro relativo à alma.
Nesse primeiro grupo, Reale (1993) coloca como superada a tese sustentada por Zeller, onde este além de separar a ciência pitagórica da fé pitagórica, põe as duas idéias em contraposição; hoje, muitos estudiosos chegam a um consenso de que a ciência pitagórica está arraigada na fé pitagórica, já que a vida pitagórica realiza-se apenas através da ciência. Vê-se isso no fato de o misticismo, que deixa de basear-se em fundamentos alógicos e firma-se na razão, na ciência.
Ainda baseado nos estudos de Zeller (apud Reale, 1993), faz-se menção ao fato de não ter havido profunda conexão científica entre a teologia pitagórica e os seus princípios filosóficos, hoje se entende isso, como que conseqüência da falta de estrutura para tal empreendimento.
Vê-se anteriormente, pelo que se lista na história da filosofia, que os jônios e também Heráclito, tenham concebido deus e o divino a partir do que identificaram como princípio primeiro. A atribuição feita pelos pitagóricos a este princípio como aquilo que é ilimitado e infinito, que para eles era sinônimo de ininteligível, de irracional e de mal, não lhes permitia considerá-lo como deus, uma vez que deus deveria coincidir com o perfeito, ou seja, com a determinação do ilimitado que é a harmonia do número.
Essa identificação do divino com os números se deu, como aconteceu com o número dez, que foi tomado como perfeito, entre outras coisas, como já foi citado, por representar os dez corpos celestes ou, como aconteceu também com o número sete, como escreve Fílon:
Os pitagóricos compararam o número sete ao regente de todas as coisas; porque o que não gera e nem é gerado permanece imóvel [...] e aquilo que nem move nem é movido é o antigo senhor e regente, do qual muito propriamente se pode dizer que o número sete é a imagem. Confirma as minhas palavras também Filolau, onde diz: “É regente e senhor de todas as coisas, deus, uno, eterno, estável, imóvel igual a si mesmo, diferente dos outros (números) (FILON apud Reale, 1993, p. 91).

No segundo grupo, o das aporias relacionadas à alma, vê-se a omissão dos pitagóricos em relacionar alma e número, o que, logicamente, na sua linha de pensamento, deveria também ser número, já que todas as coisas são. Isso se explica pela incontável quantidade de almas, que se caracterizada como número, um para cada, seria impossível numerar a todas e se caracterizada com um único número, seria, do mesmo modo, impossível distingui-las.
Reale (1993) no final de seu capítulo a este respeito considera estas aporias insuperáveis dentro deste horizonte da filosofia pitagórica do número e mesmo dentro do contexto da filosofia da physis, que para tal superação deve ser extrapolada, o que mais tarde, se verá em Platão.












CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse é, de forma breve, um resumo do que é o pitagorismo dentro da história da filosofia, daquele que foi seu fundador, dos seus seguidores e das doutrinas a eles atribuídas.
Nota-se, de maneira bem evidente, o quanto a impossibilidade de dissociação do pitagorismo, quanto a Pitágoras e aos pitagóricos, contribui eficazmente na construção da doutrina e na veracidade daquilo que se tem escrito a este respeito, uma vez que o próprio Pitágoras nada deixou escrito, mas a forma como ele conduziu sua escola e o aprendizado que dele receberam os pitagóricos mostram claramente seu modo de pensar e viver nos escritos por eles feitos.
Importante perceber que o pitagorismo está, no aspecto cronológico, historicamente ligado aos filósofos jônios, aqueles que se ativeram a discutir o princípio metafísico das coisas, o que justifica a presença dessa mesma preocupação dentro escola pitagórica, agora, numa perspectiva nova, onde se desvincula o princípio de coisas ao que é concreto e o atribui ao ilimitado e ao limitante, coisas abstratas, mas que dão origem às concretas.
Pode-se também tomar como ponto imprescindível desse estudo a intelectualidade presente no pitagorismo através dos estudos aprofundados da matemática, filosofia, astronomia, teologia e etc. Aqui cabe reforçar, até mesmo como prova dessa intelectualidade, a incorporação de elementos da religião órfica (religião surgida na antiguidade grega em conseqüência da intelectualização das pessoas e da insatisfação quanto a religião pública) à doutrina pitagórica, como por exemplo, a metempsicose, que acredita na reencarnação da alma até que ela se expie da culpa original. Em virtude disso, vê-se também a conotação religiosa que se dá, por devido mérito, ao pitagorismo além da vivência fiel das doutrinas religiosas adotadas por eles.
Dois termos atuais são atribuídos a Pitágoras, o primeiro e mais provavelmente verdadeiro deles é o conceito de cosmo, como universo ordenado e o segundo, de uma forma mais lendária, é a própria denominação de filosofia, que se acredita ser como ele próprio se chamava, preferindo ser chamado φιλος σοφος, ou seja, amigo da sabedoria, do que ser chamado de sábio.
Outra atribuição importante a Pitágoras é o desenvolvimento da matemática, iniciado por ele mesmo e essas suas iniciações que embasaram estudos posteriores que resultaram em avanços significativos, principalmente no que concerne a geometria.
De tudo, após valorizar a contribuição de Pitágoras na história da filosofia, cabe questionar em que sua filosofia ajudou e ajuda na compreensão dos filósofos antigos e em que mais a humanidade cresceu baseada naquilo que ele disse, ensinou e viveu. Sua preocupação metafísica terá somado algo à dos jônios, ou apenas terá sido mais uma idéia no mundo abstrato em que elas se encerram?
Dentro mesmo da visão religiosa do pitagorismo, a organização, os ritos e a hierarquia do saber terão ajudado no desenvolvimento da atividade pensante dos seus seguidores ou os terão alienado? Quer dizer, o fato deles seguirem fielmente o que disse Pitágoras, evitando mesmo que esses acrescentassem algo que pudesse enriquecer a sua doutrina, não terá feito com que a humanidade se privasse de mais alguma idéia que pudesse alavancar o seu desenvolvimento de forma global?
Ou ainda, contrariando as questões acima, até que ponto se pode acreditar que o pitagorismo, de fato, seja a reflexão fiel do que pensou Pitágoras? Estudar tal momento da filosofia requer capricho especial na observação e na busca do equilíbrio entre as idéias presentes, principalmente pra sua aplicação hoje.

Cláudio Geraldo do Silva
José Aparecido de Miranda


REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Alfredo Bosi. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 75

ABBAGNANO, Nicola. História da Filosofia. Vol. I. Trad. Antônio Borges Coelho, Franco de Sousa, Manuel Patrício. 3. ed. Lisboa: Editorial presença, 1984. p. 51.

GOBRY, Ivan. Vocabulário Grego de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes. 2007. P. 28

HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa. Versão online. 1999.

MONDIN, Batista. Curso de filosofia. Vol. I. 14. ed. São Paulo: Paulus. 2007, 254p.

NUNES, César Aparecido. Aprendendo Filosofia. 2. ed. Campinas: Papirus, 1959. 112p.

REALE , Giovanni. História da filosofia antiga. Vol.I. Trad. Marcelo Perine. 9.ed. São Paulo: Loyola, 1993. p. 74-93

REALE , Giovanni; ANTISERE, Dario. História da filosofia. Vol. I. 9.ed. São Paulo: Paulus, 2005. p. 38-47