quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O poder popular na América Latina


Uma abordagem do poder popular na América Latina, a partir de A mosca Azul, de Frei Betto.

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Segundo Frei Betto a Revolução Cubana incentivou os movimentos populares na AL. Essa revolução trata da tomada do poder em Cuba pela força militar popular, levando o jovem Fidel Castro ao poder, no lugar do também ditador Fugêncio Batista, que desde 1952 governava Cuba. Inspirou principalmente a luta antiimperialista e o surgimento de grupos guerrilheiros.

Já a partir dos anos 70, a AL vivia sob ditaduras, acontece a queda do governo de Isabelita Perón (Argentina), a deposição de João Goulart (Brasil) e o assassinato de Salvador Allende (Chile). Também a derrubada do foquismo guerrilheiro e a aniquilação de grupos contrários. Estes países enfrentaram a autocrítica dos setores que esquerda que adotaram na prática o que tanto defendiam em teoria: A natureza popular de sua ação política.

Não só a Igreja, em 1979 em Puebla, fez opção preferencial pelos pobres, mas também as tendências políticas surgidas de dissidências dos velhos troncos da política comunista da AL fizeram sua ida aos pobres. As CEBs representaram as duas correntes no Brasil.

Mas não só a teologia da libertação influenciou o pensamento e a ação pastoral-política de frei Betto, também a filosofia da libertação teve seu papel. Essa tem como primeira tarefa a de esclarecer e justificar, na sua originalidade, esta tomada de posição fundamental, que é também uma escolha de vida.

Filosofia da libertação

Seu idealizador principal é Enrique Dussel, filósofo argentino, nascido em 1934 e exilado no México desde 1975. Sustenta-se numa metafísica da práxis, colocando no coração da pesquisa filosófica uma escolha de justiça e de solidariedade. Dialoga com a formação social periférica, sob influência de um dos maiores pensadores ético do século XX: E. Lévinas, que trata da alteridade negada, decididamente antagônica à que inspira atualmente a organização da sociedade e do mundo. Nega a religião fetichista, que justifica toda a injustiça social da AL como vontade de Deus. Ao desmascarar o funcionalismo, denuncia um sistema imperial norte-americano que deposita sob a AL seus dejetos políticos e econômicos. Buscando fazer a passagem do ontológico ao transontológico, ela se coloca numa sociedade em que o povo não é sujeito de sua história e num mundo onde, a maioria dos povos ainda não alcançou a condição de sujeitos libertos e autônomos. Quer despertar o senso de responsabilidade pelo outro.

A filosofia da libertação origina-se portanto da estreita relação entre o polo existencial, subjetivo e o polo político, objetivo da busca e da libertação; entre projeto de vida e projeto de sociedade. Como bem expressa E. Dussel: "Não negaremos então a razão, mas a irracionalidade da violência do mito moderno; não negamos a razão, mas a irracionalidade pós-moderna; afirmamos a "razão do Outro" rumo a uma mundialidade transmoderna".

Filosofia política na AL

Frei Betto considera que a filosofia política latino-americana baseava-se até a emergência dos movimentos populares numa sólida catedral de conceitos marxistas que rui, ao se encontrar com elementos que emergem junto desses movimentos. Há uma mudança de lugar também do saber epistêmico, quando esse marxismo choca-se como o saber popular, marcante na AL, mesclado de referências e valores éticos e sociais cristãos. Esses arquétipos de aspiração popular choca-se com os arquétipos das classes dominantes, culminando num senso prático crítico, capaz de dar consistência pragmática à proposta de organização popular.

Poderes populares

Em toda a AL setores populares fortalecem seu poder de demanda e assumem uma consciência critica proporcional ao seu desempenho como sujeitos políticos. É o casos destes poderes que citamos ai. Os Zapatistas (Inspirado na luta de Emiliano Zapata, no México em 1910. O movimento de 1994 representou o Ya basta contra o Nafta). Camponeses da Zona ocidentel da Colômbia (que resistem e criam propostas firmes para a reforma agrária em oposição ao governo Alvaro Uribe que cede as forças imperialistas). Os mineiros do altiplanos bolivianos (que resistem aos incentivos dados pelo Estado às mineradoras e petrolíferas). O MST brasileiro (movimento surgido na década de 1980, que combate a expansão da fronteira agrícola e os megaprojetos de mecanização da produção, em vista da reforma agrária).

A afirmação de Frei Betto sobre a Revolução Francesa chegar a AL, abre espaço à compreensão em parte da formação dos movimentos populares surgidos nas últimas décadas, em face de uma libertação do homem, como previu a Revolução.

Movimentos populares

A partir da presença desses ideais da Revolução Francesa, começamos perceber movimentos de Solidariedade, de Reivindicação, de Conquista e de Denúncia.

Frei Betto lembra ainda que uma extensa rede de apoio a esses movimentos surgiu, em decorrência da importância que passaram a ter como protagonistas políticos. Surgem centros de educação popular, instituições ecumênicas e escolas de formação, publicações, ONGs e universidades. Há também o fortalecimento de um novo sindicalismo desatrelado do Estado e dos pelegos patronais.

Contudo, sem se iludir, frei Betto mostra sua consciência de que os ideais de solidariedade não são de fáceis de ser adquiridos e disseminados. A propriedade privada nega a igualdade. Porque a bandeira francesa não se aplica ao setor econômico.

Governo

O governo democrático latino-americano é essencialmente representativo, enquanto for assim continuaremos elegendo quem pode seguir seus próprios interesses sem obrigação de sintonizar-se com seus eleitores, o que no modelo participativo de democracia seria diferente. A consciência de que eleger-se não é chegar ao poder, mas ao serviço, está longe de nossos representantes. Enquanto no primeiro se valoriza o poder institucional, que se alimenta da imagem que reflete de si mesmo, de sua semelhança, no segundo quer se dar espaço ao poder popular, que não reflete imagem, por não constituir forma de poder, mas apenas meio de o líder popular chegar ao poder institucional.

O poder assenta-se sobre duas bases: O Estado organizado e hierarquizado e a Sociedade Civil. A primeira institucionaliza o poder através da política, do indivíduo e da história. A política é a forma de estabelecer relações de poder, é o “cuidado” com o poder público. É exercida por indivíduos, o eleito e os eleitores, que formando o Estado, contribuem com sua história.

Já a Sociedade Civil é a esfera das relações, a base de que emanam os conflitos, as reivindicações e as denúncias a que a política, entendida como sistema político, deve responder. Na sociedade civil estão incluídas as várias formas de mobilização, associação e organização das forças sociais que tendem à conquista do poder político. Poder de fato e de direito.

Desafios e dificuldades

Surgem os desafios e as dificuldades para a chegada a esse poder popular. Baseando-se essencialmente nos movimentos populares sociais, frei Betto conclui que nos últimos 40 a sociedade civil latino-americana fortaleceu-se pela multiplicidade desses movimentos. Sob as ditaduras militares, a dificuldade de atuação através de movimentos legais, muitos deles suprimidos ou cerceados pela repressão, estimulou o surgimento de movimentos legitimados pelas demandas populares assumidas por eles. Como as oposições sindicais, as pastorais populares, as associações de moradores, os grupos de defesa de direitos humanos, mulheres negros e indígenas, sem-terra, sem-teto etc.

Além disso, na defesa de seus direitos e interesses as classes populares respaldaram também movimentos de perfis mais específicos, como saúde, carestia, apoio jurídico, reforma agrária, ecologia etc.

Tudo isso emergiu como parcela representativa da sociedade civil, por ser mais organizada e consciente, no entanto se insere numa conjuntura adversa, tanto do ponto de vista político, como econômico. No ponto de vista político, tem seu entrave na hegemonia das classes dominantes e no econômico, as relações capitalistas de produção determinam em muito o viés do poder social, principalmente no que tange a igualdade e à solidariedade.

Esta sociedade que media toda essa problemática sustenta uma constante guerra de posições, na qual se buscam espaços políticos institucionalizados pela máquina estatal. Contanto, visa fortalecer o poder da classe trabalhadora e de todas as vítimas da opressão, tendo em vista a construção de uma futura sociedade socialista.

Frei Betto considera que sejam duas as dificuldades do poder popular. A provisoriedade de muitos movimentos, atrelados a uma conjuntura especifica que, uma vez modificada, obriga-nos a redimensionar sua proposta. Isso decorre do fato de que muitos surgem por reação espontânea de movimentos sociais periféricos frente a um objetivo adverso – como um atropelamento em uma rodovia, que requer passarela de pedestre ou um enchente em tempo de chuva, provocada pela falta de saneamento básico. Isso faz que fiquem sempre na dependência de instituições abrangentes, como o Estado e a Igreja, que quase sempre as neutralizam também.

O outro problema apontado por frei Betto é a cooptação dos movimentos por parte do poder público (Caso recente da UNE) como qual costumam ter relação direta. Essa cooptação é facilitada pelo baixo nível de institucionalidade dos movimentos e pela hipertrofia das lideranças. Muito facilmente as lideranças políticas assimilam as lideranças populares, através de promessas de cargos, recursos materiais e até mesmo de processos de institucionalização, que tornam os movimentos apêndices do governo.

Sugere criar um pólo de referência, como a central dos movimentos populares a coordenação de movimentos sociais, que, a partir das bases se impusesse como vínculo orgânico de subsistência, assegurando o fluxo de informações e mobilizações.

Questões: A causa popular seria de fato possuidora de poder senão um poder institucionalizado regido pelo Estado, portanto, poder de ideologia e classe dominante?

O próprio frei Betto diz que a chegada de um operário no poder não quer dizer que os operários tenham chegado ao poder. As forças populares têm representado os fins que trazem ou são uma espécie de trampolim para o poder eleito de um só?

Mas por outro lado, podemos negar que nas pequenas comunidades haja movimentos de base que representem bandeiras sociais convictas?

E isso tudo, pode, de algum modo, gerar um novo poder, que seja permeado pelos ideais da filosofia da libertação, levando em conta aspectos socioculturais de um povo?

Apresentada à disciplina de Filosofia Política, professor Sérgio Duarte.