A relação fé e ciência tem se apresentado ao longo da história de modo diversificado. Houve momentos em que os homens da ciência a usavam na perspectiva de compreender a Deus – entendendo Deus aqui como seres superiores devotados pelo homem ao longo da existência – com aconteceu, por exemplo, na cultura grega, na qual até os filósofos atribuíam sentido divino às diversas circunstâncias naturais. Para usar de exemplos cristãos, pode-se lembrar de Justino de Roma, para quem o cristianismo se afirmara como única filosofia segura e vantajosa, ou Clemente de Alexandria que conciliando lei mosaica e filosofia grega, via nesta a iniciação à fé cristã.
Surgiram outros momentos em que se tendeu a relativizar ou, até mesmo, desconsiderar a fé em vista de um pensamento científico. O Iluminismo nos séculos XVII e XVIII, representado principalmente por Voltaire, Rousseau, Diderot, D’Alembert, e, consequentemente, o ateísmo alemão, iniciado com Feuerbach e a criação de Deus a partir dos desejos e aspirações do homem, assim como o cientismo ou positivismo de Comte, representam algumas dessas fases em que a fé se sentiu subjugar à razão e à ciência.
Tal contraste revelado na história entre ciência e fé parece afirmar a real oposição entre ambas. No entanto, uma observação de fatos simultâneos demonstra a presença de Deus nesses diversos momentos, afirmada, inclusive, por alguns desses teóricos condenadores da fé, como Voltaire, que disse: “Se Deus não existisse, o homem o teria criado” ou “O mundo me perturba e não posso imaginar que este relógio funcione e não tenha tido relojoeiro”. A própria crítica de Feuerbach evidencia um caráter metafísico dado ao próprio homem que se torna Deus ao acreditar e, não menos, contrariado já está o positivismo, uma vez que a dúvida perpassa a vida humana e se faz muito mais presente que as provas.
Há pouco, na John Templeton Foudation, EUA, o radiologista Andrew Newberg, da Universidade da Pensilvânia, submeteu o cérebro de budistas do Tibet em profunda meditação, assim como a freiras em oração, a exames tomográficos e acompanhou a atividade cerebral após injeções de soluções radioativas na veia. No resultado, a percepção de que tanto a meditação como a oração desligaram os circuitos cerebrais que controlam a noção de limites físicos do ser humano.
Desse exemplo, que é apenas um entre tantos do tipo, ficou para a ciência o questionamento se seria essa a explicação bioquímica para a sensação de transcendência nos homens e a certeza de que isso pode ajudar a entender como funciona a habilidade humana de compreender Deus. Para a fé, a certeza de que a presença de Deus no homem é a cada vez mais experimentada e ao mesmo tempo, mais conhecida pela ciência e, de certo modo, tanto a afirmação de Albert Einstein: “Quanto mais acredito na ciência, mais acredito em Deus”, quanto a de Louis Pasteur “Um pouco de ciência nos afasta de Deus, muito nos aproxima” reafirmam-se.
De fato, o que impede a aproximação de fé e ciência não é outra coisa senão a falta de abertura de uma à outra. Foi em nome disso que se pecou ao condenar Galileu, Giordano Bruno e tantos outros, como também muitos cientistas agiram equivocadamente condenando coisas que são matéria de fé. No entanto, passos efetivos vêm sendo dados por ambas as partes para a amortização desse impacto, como o reconhecimento por parte da Igreja das faltas cometidas e uma abertura da ciência às questões de fé, principalmente quanto à ética que lhe está implicada.
Importante também é garantir que fé e ciência dialoguem em vista de promover a vida. O acreditar em Deus dos fiéis não deve sobrepor às incessantes descobertas da ciência que servirão a eles mesmos, como os homens de ciência não devem também menosprezar aquilo que embora queiram explicar racionalmente, não o fazem com precisão científica, como as respostas às perguntas por que há o mundo e de onde vem o homem. A essência da própria existência ainda está numa força ordenadora maior, em algo que é muito mais que a sucessão combinatória dos fatos, assumindo então caráter transcendental e metafísico, ou seja, em Deus.
Na carta encíclica Fides et Ratio, o papa João Paulo II usa de Santo Agostinho para afirmar que fé e razão se entrelaçam: “Crer nada mais é senão pensar consentindo”, “Tudo o que crê, pensa; crendo pensa e pensando crê” e ainda “A fé, se não for pensada, nada é”. Assim, a relação entre fé e ciência, ou mesmo razão, está condicionada a entendê-las como são, no papel que cada uma exerce e na influência que ambas têm sobre o homem e o mundo. No entanto, a consciência acerca da necessidade de se desenvolver tanto a fé, quanto a ciência sobre bases sólidas ajudará a romper barreiras entre elas e a afirmarem-se na constante busca da verdade e do conhecimento da humanidade a que ambas têm se dedicado.