sábado, 19 de junho de 2010

Iguais? A partir de O caçador de Pipas


O maior entrave para o diálogo entre culturas parece ser o preconceito. Ele, tomado e desenvolvido a partir do domínio de um determinado grupo em relação a outro, impossibilita que as relações humanas maximizem-se pelo dado pessoal, da relação pessoa a pessoa, estabelecendo então um embate cultural, no qual não se respeitando a pessoa, não se respeitará também sua cultura e sua forma de vida.
Lembro-me, por exemplo, das histórias de minha avó, branca e loira, sobre seu casamento com meu finado avô, negro. História, a dela, como a de muitos neste país onde os negros submeteram-se às vontades dos brancos. Falo da história de minha avó e desse caso particular entre brancos e negros no Brasil porque me é bem peculiar, mas ao olhar o mundo ao nosso redor veremos em exemplos concretos vários outros casos de preconceito racial que marcaram a história de muitos povos.
Basta lembrarmo-nos do caso, bíblico inclusive, da separação entre judeus e samaritanos e do quanto estes eram menosprezados entre aqueles. Mais recentemente a inserção dos judeus negros, retirados da Etiópia, em Israel, num ato falseado de caridade, visando muito mais o aumento da população do Estado Judeu do que propriamente a abertura aos irmãos negros. Ou, como apresenta o filme O caçador de pipas, a diferença existente entre mulçumanos do Afeganistão e seus empregados estrangeiros considerados o lixo do país. Não diferente é a condição de vida enfrentada pelos imigrantes, brasileiros ou não, nos países desenvolvidos, nos quais buscam recursos para o reconhecimento em suas próprias terras.
A questão, hoje, parece girar não apenas em torno da etnia, da discriminação pela raça, mas – e me parece muito mais assim – pela questão de classes dominantes. O sistema capitalista zela pela manutenção da soberania dos fortes sobre os fracos. As ideologias vagam na sociedade de um lado ao outro como quem justifica a continuidade do processo, que muito longe de tornar as pessoas iguais, as diferenciam, fazem-nas produtoras e produtos comercializáveis e descartáveis nessa onda do nada serve e tudo pode.
Diante disso, pergunto-me se minha velha avó não fora mais humana que toda a humanidade ao enfrentar as barreiras e reconhecer que ser negro não fazia de seu falecido marido um ser diferente e por, ao lado dele, construir uma vida feliz. Questiono-me se as pessoas que lutam por igualdade entre os povos, por condições dignas de vida às camadas discriminadas, por um pedaço de chão, um telhado, um pão ou tantos outros gritos que ouvimos, lutam em vão. Temo que sejam abafados os gritos por um mundo melhor e que tantas injustiças se arrastem eternamente.
Reconhecer que erros passados não justificam erros presentes é abrir-se à possibilidade de fazer da diferença entre as pessoas ponto de partida a um contínuo humanizar-se. Acertos não são outra coisa senão tentativas que florescem e frutificam na abertura às coisas novas. E – entender isso pode ajudar – velhos conceitos fixados pela injusta e desigual história podem ser olhados de ângulos novos e transformados em edificantes construções humanas.
Embora há sessentas anos minha avó já pensasse nisso, não me parece tarde para pensarmos também. Sempre é tempo de recomeçar.

Cláudio Geraldo da Silva