quinta-feira, 17 de junho de 2010

(Se) Deus existe - A partir das 5 vias de São Tomás


A questão segunda da Suma Teológica de São Tomás de Aquino, nos artigos I, II e III, trata essencialmente do problema da existência de Deus, da forma como é concebido e resolvido. Tomás estabelece um diálogo com a história da filosofia até então, ora retomando, ora refutando ideias de filósofos que lhe antecederam, principalmente dos que abordaram temas, de algum modo, semelhantes.
As cinco vias em que desembocara a fundamentação da existência de Deus em São Tomás são, por assim dizer, a síntese desse diálogo filosófico e teológico. Nelas há em grande parte a releitura e reaceitação de Aristóteles e, consecutivamente, a refutação de Agostinho (e consequentemente de Platão), como também, de Anselmo e João Damasceno.
A concepção tomista de Deus tem como ponto de partida o total repúdio das concepções a priori dele, assim como dos argumentos que se baseiam na alma. Para tanto, a experimentação no plano sensível é primordial, já que o homem, ser corpóreo e temporal, se insere neste plano e, assim, não é possível conceber Deus abstraindo-o dele.
A essência divina buscada por Tomás passa pela necessidade de se fundamentar sua existência por um raciocínio lógico dedutivo. Partindo da realidade, suscita questões já debatidas e, ao modo de seus autores, provadas. Essa discussão põe em xeque muitas das conclusões e reflexões filosóficas existentes.
Enquanto a existência de Deus parecia ser evidente por si mesma; principalmente pelos pressupostos de João Damasceno, Agostinho e Anselmo, a sua demonstração e, consequentemente, a prova, pareciam impossíveis. Dessas aparências desenvolvem-se as soluções e, por fim, a fundamentação da real existência de Deus em São Tomás.
Para Tomás, compreender o nome ou a ideia de Deus não permite compreender a Deus, o que significa dizer que a existência de Deus não é demonstrável por si mesma; ao mesmo tempo, Deus demonstra-se à humanidade pela própria natureza, pelo porquê das coisas e pelos efeitos que o tem como causa, do que se afirma a demonstração de sua existência. Importa a ele, antes mesmo dessas preocupações, saber da real existência de qualquer ser, quanto mais de Deus, na tentativa de sua prova.
De tal prova, em São Tomás, não se pode dizer existencialista. A existência de Deus aqui não parte da definição de quem ele é, mas da percepção do fato de sua existência necessária em um mundo contingente. A percepção de Deus para ele é de ordem ontológica, e não, psicológica, como para muitos que antes o conceberam. Isso é claro nas colocações de Tomás, onde se vê um Deus que precede as criaturas, sendo sua causa e não um Deus que as sucede, sendo seus efeitos. Desses princípios constata-se que as coisas que estão no mundo não referem, mas remetem ao seu autor.
As vias pelas quais Tomás fundamenta que Deus não só existe de fato, mas é também o puro ato de existir não são nada além de conclusões lógicas a partir de dados próprios das coisas. As especulações acerca do movimento, das causas, da contingência, dos graus e da ordem levam ao conhecimento daquilo que antecede tudo isso.
As conclusões (ou vias) são, portanto, constatações a partir da realidade das criaturas. Se tudo o que se move, é movido por outro, deve haver um primeiro motor que seja imóvel; se as coisas não têm suas causas em si mesmas, deve haver uma causa primeira e eficiente; se tudo é contingente, deve haver algo por si necessário que dê necessidade à existência das coisas; se as coisas estão ordenadas em variados graus dentro de seu gênero, deve assim haver algo que seja absoluto e dê graduação às demais coisas; e, se as coisas possuem alguma finalidade, mas não podem por si mesmas se ordenarem a ela, deve, por fim, haver alguma inteligência que ordene o rumo dessas coisas. A tudo isso que deve haver – e para ele, de fato, há – São Tomás chama Deus: O ser supremo que tudo cria, tudo possibilita e tudo ordena.
Assim, pelas cinco vias a existência de Deus fundamenta-se em São Tomás. Não difere dos outros filósofos, aos quais confrontara, quanto à afirmação dessa existência. Como eles, Tomás afirma que Deus existe, mas assim o faz de forma clara e lógica, não apelando para as ideias, nem se prendendo ao conceito, à fé ou ao intelecto.
De fato, pelo argumento tomista, a existência de Deus não se faz conhecer por si mesma, uma vez que nem todos têm consigo o conhecimento da relação estabelecida entre sujeito e predicado na evidência dessa existência. Para que tal conhecimento se torne evidente faz-se necessário demonstrá-lo e fundamentá-lo, não buscando conhecer e afirmar tal evidência simplesmente pelos efeitos de Deus, já que evidentes são estes e não a própria existência, mas são também estes que a demonstram. Assim, tudo o que se demonstra é demonstrável justamente devido a sua não-evidência, pois se fosse evidente seria desnecessário fazer sua demonstração. Só desse modo cabe falar em demonstração da existência de Deus.
Por fim, pode-se dizer que a compreensão da questão segunda da Suma Teológica tratada nos três artigos citados é de proporção incomensurável. Provavelmente ninguém – além do próprio São Tomás, é claro – poderia chegar às minúcias desses escritos com profunda clareza. Mas de tudo, talvez se pudesse dizer que a afirmação da existência de Deus não se dá somente pela razão, fruto do intelecto, mas também, e de modo não pouco, pelos sentidos, pela vivência e experimentação. Tomás mostra que é em Deus que a essência e a existência se identificam, porque ele não só é a sua essência, mas também, o seu próprio ser.
A existência de Deus se deu a conhecer quando houve a composição existencial de outros seres, ou seja, quando Deus os criou. De modo que o ser humano apenas poderá conhecer a essência propriamente dita das coisas criadas e nunca do que é incriado, embora tenha plena convicção que este ser incriado é criador de todas as coisas.

Cláudio Geraldo da Silva

A partir de: AQUINO, Sto Tomás de. Suma Teológica. Trad. Alexandre Corrêa. Vol. 1. 2.ed. Porto Alegre: Grafosul. 1980, p. 15-20.