quinta-feira, 17 de junho de 2010

Seminário Sobre Santo Agostinho

A importância de Santo Agostinho para história da filosofia ocidental é ímpar. Trata-se de um grande nome da patrística latina, conhecido pelas suas inquietações e questionamentos que o levaram a uma grande produção filosófica nos séculos IV e V da nossa era. Ao lado de São Tomás de Aquino, Santo Agostinho destaca-se pelo seu pensamento não só filosófico, mas também teológico na doutrinação da Igreja Católica que ainda nestes tempos expandia pelo mundo.
Por isso, presente trabalho tem por objetivo apresentar uma síntese da temática abordada e discutida em um seminário que nos foi proposto, tendo como foco principal a filosofia de Santo Agostinho. Em conformidade com o método que fora utilizado para a sua apresentação, a discussão em grupo, apresenta-se também neste uma síntese dos textos escolhidos, a saber: A infância (Livro I das Confissões de Santo Agostinho), A caminho de Deus (Livro VII das Confissões de Santo Agostinho) e Metafísica da Interioridade de Santo Agostinho (Padre Vaz), ainda desenvolve-se aqui uma explanação acerca dos principais pontos que foram abordados na discussão, assim como retrata impressões causadas e deixadas ao longo da realização do trabalho, empreendido desde a simples leitura das obras, passando pela preparação nos grupos e culminando na discussão em sala de aula no dia 19 de maio de 2009.

2 - TEXTOS UTILIZADOS
2. 1 – A infância (Santo Agostinho)
Santo Agostinho inicia seu primeiro livro das confissões com uma problemática que o deixa inquieto: “Devo eu primeiro invocar, louvar ou compreender?” E gasta algumas linhas e um pouco de tempo na resolução deste problema e chega a conclusão que primeiro devia ele buscar para depois louvar e só assim compreender, “pois antes invocar a Deus sem conhecê-lo que compreendê-lo sem o entender.
Neste capítulo da obra Confissões, Santo Agostinho retrata sua infância a partir da observação e do exercício da memória. Permeia assim, fatos marcantes na sua puerícia que de algum modo são colaboradores para o seu amadurecimento, como ele mesmo lembra ao mencionar sua fase de aprendizado.
Deus, segundo Santo Agostinho está presente em todas as coisas e principalmente dentro de si mesmo, que é o lugar do encontro com Deus Sumo Bem. Ao pensar que se deve buscar Deus dentro de si, com isso ele elabora uma metafísica da interioridade, pois o íntimo é o lugar do encontro com Deus, chega a afirmar que vivia iludido e no erro, pois buscava Deus nos lugares errados enquanto Deus estava tão próximo, buscava na filosofia e no mundo, porém Deus estava dentro dele mesmo. Deus, para ele, é muito mais que um ser transcendente, é a própria verdade, por isso o busca incessantemente.
2. 2 – A caminho de Deus (Santo Agostinho)
O livro sétimo das confissões inicia-se com um relato do esforço de Santo Agostinho para imaginar Deus, relata a necessidade de imaginá-lo como um ser corpóreo e no espaço, mas sabia que ele não o era, pois estava presente no infinito. Deus, para santo Agostinho é um ser atemporal não está sujeito ao tempo Cronos, mas está no infinito onde o tempo é infinito, e, também no imanente, se manifesta nas coisas criadas.
Ele reconhece que Deus está presente em tudo e tudo o contém, que Deus é o Sumo Bem, daí surge uma dúvida que ocupará um grande tempo nas discussões de Santo Agostinho, principalmente no livro sétimo: Se Deus é Sumo Bem e criou tudo e está presente em todas as coisas de onde provém o mal? Para responder a esta pergunta ele esclarece primeiramente que o mal não é um ser, ou seja, ele não é uma substância, mas sim uma perversão da vontade desviada da substância suprema, Deus, ou seja, o mal surge da perversão humana.
Declara ele que tudo que existe, existe, pois acaba em Deus, se não fosse assim nada existiria. Deus é o único ser eterno e imutável. A encarnação de Cristo para ele é a sabedoria que vem alimentar a humanidade, pois a verdade só existe, como todas as coisas, em Deus.
Quando a alma compreende que Deus está presente no seu intimo há uma ascensão da alma, pois se torna capaz de encontrar Deus. A maior preocupação logo deve ser a de invocar para depois compreender como ele diz no livro sétimo: “... Vós quisestes que eu fosse ao seu encontro antes de meditar as Vossas Santas Escrituras, para que se imprimisse em minha memória o sentimento que nelas experimentei” (p. 162 - Confissões).
2. 3 – Metafísica da Interioridade de Santo Agostinho (Padre Vaz)
Em linhas gerais trata-se da metafísica da experiência interior, a experiência do espírito em sua acepção mais rigorosa. Agostinho é chamado a optar entre helenismo e cristianismo, é chamado a conversão que é a reflexão propriamente religiosa. Como dialética da conversão de Agostinho tem-se sua própria filosofia religiosa. Nele, filosofia é a reflexão em vista da verdade. A verdade tem seu lugar de privilégio no interior, gerando-se assim um caráter social – o encontro da verdade na mens (espírito/inteligência) é o encontro de Deus subindo a um plano de relação pessoa com pessoa – plano do ato religioso.
Daí a problemática: se conversão ao interior é conversão ao superior (no mesmo movimento), o ato religioso só é se, em sua intencionalidade profunda, mediar a realidade transcendente, pois não há filosofia religiosa sem afirmação da transcendência. Assim sendo, pode-se dizer que a filosofia religiosa se define em Agostinho onde se dá o encontro do absoluto transcendente no seio da razão, como origem radical e fim da razão mesma e do amor que dela nasce.
De acordo com o pensamento de Leon Brunschvicg, a descoberta do Deus interior é comprometida pelo ecletismo de Agostinho e destruída pela imaginação em altura (conversão ao superior). Já, segundo Vaz, é numa fidelidade à razão exercida até o fim de suas exigências que a conversão de Agostinho se abre para a transcendência do Deus superior.
A obra De Vera Religione considera o essencial do pensamento de Agostinho maduro. Ele escreve a Romaniano para que abandone o maniqueísmo e volte ao cristianismo, mas não de modo neutro, ele parte da sua experiência religiosa, alcançada da própria conversão. O processo de conversão para Agostinho se dá no tempo, lugar das opções, da queda do espírito. O primeiro passo para a conversão é a crítica radical do esquema cosmológico – contemplar algo atemporal. A passagem a interioridade é um abandono dos quadros cosmológicos e não uma fuga mística. Obedece a exigência de uma racionalidade mais profunda. A busca da verdade e a organização da experiência em dialética é um movimento do espírito, a verdade transcende o espírito e o espírito se transcende. A verdade transcendente descoberta no mais íntimo da razão é Deus.
Assim, a fé de Agostinho não opõe a razão, mas está centrada na profunda inteligibilidade que dá dimensão nova às coisas. Como bem escreve padre Vaz, “Nenhum contrassenso mais desastroso do que interpretar a fé agostiniana como uma renúncia à razão”, fruto da inteligência, como ele mesmo cita M. Blondel, que é uma inteligência orante.

3 – TEMAS ABORDADOS
3. 1 – A vida e a obra
Agostinho nasceu em Tagaste, em 354, de mãe católica e pai pagão. Seus primeiros estudos foram humanísticos, basicamente retórica e gramática. Estudou também em Cartago onde se interessou pela filosofia, acarretando-lhe consecutivamente devido interesse pelo maniqueísmo, sistema do qual se tornou grande adepto. De Cartago foi para Roma, depois Milão, onde se converte ao Cristianismo em 387. Em 391 ordenou-se sacerdote e quatro anos depois, bispo de Hipona onde faleceu em 430.
Escreveu muitas obras, interessando filosoficamente as seguintes: Contra Academicos, De Vita Beata, De Ordine (Escritas antes de sua conversão), De immortalitate animae, Confessionum libri XIII, De líbero arbítrio, De civitate Dei, De Trinitate, De Magistro, De Vera Religione (Escritas após sua conversão). Sua obra apresenta essencialmente a síntese da fé cristã à razão.
3. 2 – A conversão e a descoberta de Deus
Pode-se falar de conversão e conversões de Santo Agostinho. Batizado ainda na infância, Agostinho, em Cartago, toma conhecimento do maniqueísmo, doutrina filosófica e religiosa que professara e defendera fielmente, até sua mudança para Roma em 383. Em Roma é convencido dos ideais céticos e abandona o maniqueísmo; em Milão, Agostinho após o primeiro contato com os textos de Plotino adere ao neoplatonismo e, ao ouvir os sermões de Ambrósio e lendo as cartas do apóstolo Paulo, descobre que a verdade não está nos livros dos filósofos, mas no Evangelho de Jesus Cristo.
Sobre esta conversão, Reale escreve que a atenção que Agostinho prestava a Ambrósio era, a princípio, a de um retórico a outro, mas é o próprio Agostinho que escreve nas confissões: “enquanto abria o coração para acolher a eloquencia, nele entrava, ao mesmo tempo, também a verdade, mas só pouco a pouco”.
No entanto a filosofia de Agostinho está carregada de elementos platônicos e neoplatônicos, o que de certa forma leva a crer na diversidade das conversões, em que, mesmo sendo cristão católico, à sua doutrina e filosofia, Agostinho associa elementos substancialmente herdados da filosofia clássica.
Segundo Santo Agostinho, ao encontrar a verdade o homem encontra Deus, mas isso apenas tratando-se da verdade suprema. As provas agostinianas da existência de Deus são: A perfeição do mundo que remete as criaturas ao criador; O consenso dos povos; a graduação do bem, em diversos níveis que culminam no Supremo Bem, que é Deus; e, por fim, o amor de, e, a Deus. Assim, a certeza de Deus em Agostinho provém dos atributos essenciais a ele: Ser, Verdade, Bem e Amor. Sendo sua afirmação, produzida no cógito, o resultado da dúvida da dúvida de sua existência.
De fato, a prova da existência de Deus por Agostinho é o resultado de sua experiência pessoal e de suas conversões: de racionalista à defensor da necessidade da fé, de cético em advogado da verdade e, de adepto ao materialismo, em detentor da ideia do espírito, inseparável da verdade absoluta.
3. 3 – A interioridade
Abordada principalmente a partir do texto de padre Vaz, nota-se a concepção de Agostinho sobre o seu movimento para a compreensão de Deus. A princípio as ideias lhe pareciam vir de fora, sendo possíveis, portanto, de serem transmitidas aos outros. No entanto, Agostinho percebe-as interiormente, ou seja, há dentro de si um saber a ser descoberto, o que permite dizer que nada se aprende, mas sim se adquire através da experiência pensante num paralelo à experiência sensível. Para ele, há fora da alma agentes estimuladores e sinais, que são interpretados pelo interior, de onde sai, então, a substância daquilo que aparentemente lhe vem de fora.
Deste modo a alma se conduz de fora para dentro de si mesma, mas ela se abre ao superior, realizando um segundo movimento, agora de dentro para cima. Para fugir do isolamento, a alma se refugia em Deus, que é o termo final da análise do pensamento.
As verdades transcendentes, alcançadas pelo movimento acima, são imutáveis e eternas e por elas o homem se orienta e se submete incondicionalmente. O Cristo bíblico apresenta-se como essa verdade transcendente para Santo Agostinho, sendo aquele que se apresenta como o único Mestre.
3. 4 – O problema do mal
O problema do mal muito trabalhado por Santo Agostinho no livro VII das Confissões, onde se apresenta num profundo questionamento, fruto de uma grande inquietação sua, sobre a origem do mal. Se Deus é o Sumo Bem e foi ele quem criou todas as coisas, e viu que todas elas eram boas, como pode também ter criado o mal? E, se não foi Deus quem o criou, o que ele é, e de onde ele vem? Essas perguntas provocaram grande reflexão em Agostinho e suas conclusões nortearam o pensamento por muitos séculos e ainda se apresentam, de certa forma, atuais.
Primeiramente do ponto de vista metafísico e ontológico não existe o mal no cosmos, apenas graus inferiores de ser, em relação a Deus. Ou seja, todas as coisas têm uma razão de ser, alguma utilidade, algo de positivo.
Ao pecado, Agostinho atribui o mal moral, ou seja, fruto da má vontade, que não tem uma causa eficiente e sim deficiente, já que naturalmente a vontade deveria tender para o Bem Supremo. É o que Santo Agostinho manifesta nas Confissões: “Procurei o que era a maldade e não encontrei uma substância, mas sim uma perversão da vontade desviada da substância suprema... tendendo para as coisas baixas”. Assim, o mal moral é a privatio bonni.
Já os males físicos têm uma justificativa bem precisa para o filósofo da fé: é a consequência do pecado original, ou do mal moral, o que na história da salvação tem um sentido positivo, pois é para os pecadores que se manifesta a graça.
3. 4 – O tempo
Sobre o tempo relatou-se a dimensão atemporal de Deus a que o pensamento deve ascender o homem para o seu encontro com o criador através da sua mens. A atemporalidade de Deus em Santo Agostinho parece ser natural, já que somente as criaturas são colocadas no tempo e no espaço e assim, Deus isenta-se desta condição. Desse modo a eternidade tratada em Santo Agostinho apresenta-se não só no seu sentido literal, de viver para sempre, mas, muito mais, no sentido de transcender o tempo, alcançar vida fora dele, onde se encontrará a Deus.
Tempo, em Agostinho, implica passado, presente e futuro, no entanto, o passado ficou e o futuro não é ainda, o presente marca a passagem ao passado, pois se assim não fizesse seria eterno. Desse modo o ser do presente, continuamente deixa de ser, tendendo ao não ser. É no espírito que Agostinho concebe a presença do tempo como o lugar em que há passado, presente e futuro consecutivamente.
De tal modo, percebe a afirmação da inexistência do tempo fora do homem, que, como todo o universo, é de natureza finita. Assim não pode existir todo de uma vez dependendo da temporalidade para a construção histórica, pelo presente, do passado em perspectiva de um futuro.
Este tema relaciona-se com o seguinte na medida que o mal será objeto de escolha do ser livre.
3. 5 – O Livre Arbítrio
Título de uma obra de Agostinho (De libero arbitrio), o livre arbítrio é a liberdade humana não constituindo problema filosófico. Liga-se à vontade e à consciência humana, da mesma forma que ao seu valor e à sua bondade.
O alcance da felicidade depende da escolha livre, entre o bem e o mal, sendo possível apenas quando se escolhe o primeiro. No entanto, na citada obra Agostinho escreve: “Sabemos que o nosso destino é a participação na felicidade”, isso supõe haver no homem capacidade de escolher pelo bem e de alcançar a verdade, já que ela também não se apresenta a quem está no mal.
De certo modo, a liberdade é a boa vontade, que pode ou não fazer o bem em decorrência dos empecilhos que a amarra e, com os quais, não se poderá ser feliz.

4 – IMPRESSÕES E CONCLUSÃO

À primeira vista pode-se dizer que uma das impressões que, de fato, marcou o pensamento de Agostinho e ainda fica para ser colocada em questão é o reconhecimento de Deus no interior do ser. Ao reconhecer Deus dentro de si, Agostinho não está deixando de buscar Deus na filosofia, mas, indo muito além disso, está formulando sua própria filosofia. Daí o surgimento de uma filosofia religiosa e a afirmação do transcendente.
Segue ainda uma série de novas questões que acaba por levar a concluir que Agostinho ainda cria novas problemáticas, principalmente no que se refere ao cogito. Faz-se entender que ele usa o cogito para justificação de suas convicções religiosas, o que muitos vão defender, dizendo que quem, de fato, fez uso inadequado foi Descartes, que sequer citou a originalidade do cogito.
Outra grande impressão que marcou o trabalho foi o questionamento que parece continuar ainda (ao menos para a turma) atormentando nossa mens na busca agostiniana de Deus é se “podemos duvidar que estamos duvidando”, o que parece lógico pelo princípio que de duas premissas negativas nada se conclui, a não ser que a negação de uma negue a negação da outra.
Com relação ao livre arbítrio de Santo Agostinho também restou-nos a dúvida: se o homem é destinado à felicidade, inquestionavelmente não poderá optar pelo mal, já que por ele, o homem não será feliz, sendo de certa forma, pelo menos aparentemente, contraditória a posição agostiniana.
Por fim, é justo valorizar a grandiosidade do momento da apresentação do seminário, envolta na dedicação de cada um em preparar e participar do momento. O estudo de Santo Agostinho aparece a nós agora com portas abertas para estudos posteriores e também para o desenvolvimento de reflexões nele inspiradas. Em suma, dizer que os textos, as discussões, as dúvidas e os esclarecimentos nossos e do professor colaboraram de efusivamente para o bom êxito desse trabalho.



Cláudio Geraldo
Dione Leandro
Elias Gonçalves


REFERÊNCIAS

AGOSTINHO, Santo. Confissões. 20.ed. Bragança Paulista: Universitária São Francisco. 2005. p. 23 – 44 e 139 – 164.
ANTISERE, Dario; REALE, Giovanni. História da Filosofia: Da antiguidade à Idade Média. Vol.1. 9.ed. São Paulo: Paulus. 2005
BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etienne. História da Filosofia Cristã. 3.ed. Petrópolis: Vozes. 1995
LIMA, Padre Cláudio Henrique Vaz de. Temas de Ontologia.
MONDIN, Battista. Curso de Filosofia. Vol. 1. 14