quinta-feira, 17 de junho de 2010

Vida pra ser vivida


Uma abordagem literária, estética e contextual das obras A velha (1808 - 1810) e A jovem(1812-1814), de Francisco Goya

A vida é carregada de marcas, impressões e sensações, umas causam alguma satisfação, outras levam à reflexão daquilo que não foi de tudo bom. Algum aprendizado elas sempre trazem consigo. Não são prêmios nem castigos, são sim, a voz da natureza que não se ilude e nem permite a ninguém se iludir.
Há quem, na mocidade, pense na velhice, na forma como se achará ao fim de longos anos. É um anseio que leva a gerir projetos de vida. Beleza, saúde, amores... Vanitas vanitatum, omnia vanitas ... Não custa sonhar que no entardecer da vida haverá ainda um irradiante sol a brilhar, sob o qual sua suntuosa sombrinha protegerá sua rígida pele, a mesma que possuíra ao desfrutar de toda a sua vida luxuosa e luxuriosa, dos calorosos raios, dos quais sempre se privou.
Mas há também quem, encanecido, defronte-se com duas possibilidades psicológicas de retrospecção dos vastos anos experimentados arduamente. Pode haver uma rocha de orgulho que lhe cubra os olhos e não lhe permita ver o que o tempo lhe reservara, ainda assim vangloriando-se dos seus majestosos feitos no decorrer da sua existência; ou, também, uma triste constatação da realidade, uma dolorosa percepção do mal que fizera a si próprio deixando-se levar descontroladamente pelas vontades e vaidades, sentindo-se agora desamparado e amedrontado.
É assim a diversidade interpretativa das obras de Francisco Goya, principalmente de duas, denominadas A Jovem e A velha. Obviamente, retratam duas realidades distintas não só pelo tempo, mas pela ideologia que trazem em si. Para não negar as qualidades que são inerentes a Goya, são muito bem trabalhadas, soando de modos diversos a variados tipos de apreciadores.
Algo de seu é próprio na pintura. Ora um sorriso sarcástico, ora um olhar pesado, ora fantasmas rabiscados, ora anjos com rosto de prostitutas. A crítica de Goya sempre se apresentou com grande classe e elegância. Sua ligação à corte, não fez dele um homem alienado, de ideias pobres, mas sim um homem convicto e de ideias nobres. O convívio entre os grandes fez-lhe atento à verdadeira realidade, não só do palácio e seus moradores, mas também da sociedade e suas mazelas.
A presença de elementos semelhantes nas duas obras chama a atenção. A mulher de pela clara, roupas finas e vaidade abundante repete-se nelas. A criada também. Ambas envelhecem sem perder o tom da superioridade. Que tal, o que você acha? Pergunta a obra A velha. O curioso é que provavelmente esta obra tenha sido pintada antes de A jovem, teria naquela primeira o pintor quisto aludir ao futuro da rainha vaidosa e luxuriosa? Ou teria, na segunda, pensado em como teria sido a mesma figura muitos anos antes, até mesmo numa crítica à sua ambição já daqueles tempos? A impressão da jovem desdenhosa que se gaba diante das pobres lavadeiras que não têm nem escrava nem sombrinha, que naquele momento sentem-se invejadas de tanta beleza e talvez sonhem em, um dia, na velhice e à sombra, apresentarem-se com alguma boa aparência.
Por outro lado, a velha rodeada pela morte com asas lembra os fantasmas de Goya e liga-se aos seus anjos, as assombrações e os temores da guerra que vivenciara e de tantos que nela perderam sua vida. Goya chama para a realidade; esnobando a vaidade é como se dissesse ao apreciador: Se gostou, siga! Se não, pense!
Talvez sejam todas essas possibilidades meras especulações. Ninguém jamais penetrou no pensamento de Goya para compreendê-lo nas suas intenções. A mim parece conveniente uma reflexão sobre o tempo que passa para todos, não importa se a velhice com certeza vai chegar um dia, importa sim saber que a juventude sempre a sobreporá. É muito mais preciso viver dignamente e de modo feliz, do que sem nenhuma medida, com prazeres que não nos levarão a nada.
Assim, quem ainda jovem projeta-se para o futuro, poderá da mesma forma que, quem já idoso, contemplar as alegrias da vida. Ou mesmo, quem de idade avançada, pensar que a vida não lhe foi em vão e que lhe perdurou um sensato gosto de mocidade.
De tudo, a vida passa para todos. Quem não quiser perdê-la, que a acompanhe!

Cláudio Geraldo da Silva