sábado, 19 de junho de 2010

Reflexão acerca do Conceito Indústria Cultural de Adorno e Horkheimer

Diante da percepção de que o homem é um ser de cultura, ou seja, de que ele está, mesmo que de modo inconsciente, imerso numa determinada cultura que o caracteriza e estabelece com ele uma relação dialética, parece oportuno uma reflexão acerca do conceito de Indústria Cultural elaborado por Adorno e Horkheimer.
Em primeira instância, dela se poderia dizer como toda a representação artística que passasse essencialmente por algum aparato de cunho tecnológico. Nela então se encaixaria os meios impressos de comunicação, como jornal, revistas, cartazes, folhetins e livros; os meios audiofônicos, tais como o rádio e os CD’s; ainda os meios audiovisuais, como as produções de televisão, de cinema e as reproduções em DVD’s. Além desses meios, a própria internet, que é relativamente recente, tem reconhecido o seu lugar, juntamente com as novas tecnologias em três dimensões.
No entanto, o reconhecimento desses meios como partes da Indústria Cultural não abarca nem sequer de longe a sua dimensão tal como seus idealizadores a conceberam, nem muito menos nas reais e atuais implicações que ela exerce sobre a sociedade. Na observação de seu impacto, na forma como os leitores, espectadores, telespectadores, ouvintes, internautas, enfim, consumidores, notar-se-á que tal impacto está intimamente presente, e de modo direto, na vida social humana, sob a qual traça, maldosamente, linhas de influência.
Assim, este conceito aparece como parte da teoria crítica dos integrantes do Instituto para a Pesquisa Social, de Frankfurt, trazendo ideias de algum modo marxistas e freudianas. Essas duas linhas de pensamento presentes nesse conceito justificam a tendência de produzir em vista de um mercado e, consequentemente, do consumo; além disso, justificam o uso de artifícios com apelativos eróticos usados para prender a atenção dos seus clientes.
Esta reflexão, embora superficial, busca explicitar a relação do conceito crítico de Indústria Cultural com algumas das diversas formas de representação artísticas e culturais, achando nelas possíveis razões pelas quais os teóricos de Frankfurt acharam conveniente cunhá-las assim.

REFLEXÃO ACERCA DO CONCEITO “INDÚSTRIA CULTURAL” DE ADORNO E HORKHEIMER

Fundamentalmente a arte deveria expressar a essência do espírito e da cultura humana, deixando assim de ser um mero aparecer, ou seja, não se deixando tornar algo puramente produtivo e muito menos reprodutivo em função de qualquer fim. A obra de arte traz em si traços sentimentais do autor, das suas sensações, tem um caráter mágico e um poder de encantamento na sua recepção. Exprime o inexprimível, aquilo que está na linha dos sonhos, dos planos, do irreal, do utópico. Da sua pessoalidade emissiva surge a coletividade receptiva, sem, no entanto, massificar.
A grande percepção para a conceituação de Indústria Cultural está na negação dessas características muito peculiares à arte. Se antes os escritores faziam artisticamente suas obras, depois copiadas a punho livre pelos dotados da arte da escrita, agora mecanicamente a grande diversidade das obras se reproduz irrefreadamente. Se há séculos Beethoven se consagrou na música erudita, nem sequer é necessário lembrar-se da popularização do jazz americano, citado por Adorno, uma vez que outras expressões musicais, por exemplo o funk, estão muito mais presentes na sociedade hodierna, através dos diversos meios de reprodução. Assim como na música e na literatura, a pintura e o teatro se viram envolvidos pela era tecnológica, fazendo-se mercadorias colocadas à disposição do grande público para o livre consumo. Os produtos de cunho cultural movimentam uma grande linha do comércio e daí, primariamente, a expressão Indústria Cultural.
O termo Indústria Cultural aparece pela primeira vez na obra Dialética do Esclarecimento, publicada em 1947, quando Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), teóricos da Escola de Frankfurt (nome convencional do Instituto para a Pesquisa Social, de Frankfurt), estavam nos Estados Unidos, refugiados do governo nazista alemão. Na referida obra, um capítulo, de autoria de Adorno, dedica-se exclusivamente ao esboço desse termo. Com a expressão Indústria Cultural pretendia-se substituir a expressão Cultura de Massa, corrente nos Estados Unidos, principalmente a partir do funcionalismo americano. Para o autor, essa segunda expressão induzia ao engodo que satisfazia os interesses dos detentores dos veículos de comunicação de massa. De fato a expressão cultura de massa suscita a ideia de que representa algo surgido espontaneamente das próprias massas enquanto a verdade é que reproduz ideias prontas de seus detentores que, a partir do conhecimento prévio da preferência da massa, deposita verticalmente sobre ela suas vontades.
A relação entre cultura de massa e meios massivos de comunicação ajuda a compreender como o conceito de Indústria Cultural assume a cena do pensamento sócio-filosófico no século XX. Teixeira Coelho (1989) lembra que embora sejam assim tomados, os três termos não constituem sinônimos e nem apresentam seguimento uns aos outros. Segundo ele, para que exista a cultura de massa, tal como é entendida hoje, é necessária a presença dos meios de comunicação em massa, mas a existência dos meios não acarreta necessariamente a existência da cultura de massa. A Indústria Cultural, por sua vez, só irá surgir quando, pelo uso desses meios, elementos forem produzidos e reproduzidos para a massa, influenciando em sua cultura, que ai sim se chamará cultura de massa. Por exemplo: A invenção dos tipos móveis por Gutemberg no século XV, embora representasse o surgimento de um meio de comunicação em massa, não criou cultura de massa, pois a grande maioria da população permaneceu analfabeta diante da bíblia impressa. A Indústria Cultural só surgiu com os primeiros jornais e, finalmente, a cultura de massa surgiu quando nos jornais apareceu o romance de folhetim.
Assim, Selligmann-Silva (2003) afirma que a Indústria Cultural reproduz a pseudoindividuação dos integrantes da massa. Segundo ele, em toda arte existe a tendência a apresentar uma reconciliação entre o indivíduo e o mundo, o particular e o universal. O estilo dessa arte é quem encarna essa tendência, enquanto instituidor de unidade entre obras. Adorno, porém, nota que a grande arte, de antes e de agora, mantém relação de tensão com o estilo. Só pelo estilo pode-se apresentar o sofrimento histórico; mas apenas se distanciando dele, criando discrepâncias e dissonâncias, o indivíduo ainda pode se manifestar como ser autônomo que não se limita apenas à imitação. No entanto, Siligmann-Silva (2003) quer enfatizar que na arte presente na Indústria Cultural acontece o contrário; nela imperam a seriação e a imitação. Desse modo a Indústria Cultural assume uma função de integração social, através da submissão cega do receptor, gerando indivíduos submissos e conformados, sem autonomia ou capacidade de reflexão e crítica.
É nesse sentido que a crítica de Adorno e Horkheimer se plenifica. A Indústria Cultural é então uma grande empresa de manipulação e condicionamento que não permite efeito retroativo. A cultura que se pretende democrática ou democratizada na verdade não o é, de modo algum, e os novos empresários da cultura, assistidos por especialistas em marketing, distribuem, como diz Huismam (2004), migalhas da cultura burguesa tradicional, que resulta numa gigantesca mistificação das massas.
Reale (2005) acrescenta que é com a mídia que o poder impõe valores e modelos de comportamento, cria necessidades e estabelece a linguagem. E esses valores, necessidades, comportamentos e linguagens são uniformes porque devem alcançar a todos; sendo assim amorfos, assépticos, não emancipam, nem estimulam a criatividade, pelo contrário, bloqueiam-na, porque sua função é acostumar seus receptores a receber passivamente as mensagens. Nota-se que desse modo a Indústria Cultural não vincula propriamente uma ideologia, mas é em si, sua própria ideologia, na qual induz a aceitação dos fins estabelecidos por outros, isto é, pelo sistema. “Toda ligação lógica que pressuponha um esforço intelectual é escrupulosamente evitada” (Adorno, 2006, p. 113).
Para Adorno e Horkheimer da mesma maneira que o indivíduo na massa se mistifica, pela Indústria Cultural também a arte se perde no todo:
O efeito harmônico isolado havia obliterado, na música, a consciência do todo formal; a cor particular na pintura, a composição pictórica; a penetração psicológica do romance, a arquitetura. A tudo isso deu fim a Indústria Cultural mediante a totalidade. Ela atinge igualmente o todo e a parte (ADORNO, 2006, p. 104).

Numa perspectiva marxista, Adorno e Horkheimer analisam a produção industrial dos bens culturais como movimento global de produção da cultura como mercadoria. Os produtos culturais, os filmes, os programas radiofônicos, as revistas ilustram a mesma racionalidade técnica, o mesmo esquema de organização e de planejamento administrativo que a fabricação de automóveis em série ou os projetos de urbanismo. Na concepção de Adorno, cada setor da produção é uniformizado e todos o são em relação aos outros. A civilização contemporânea confere a tudo um ar de semelhança. A Indústria Cultural fornece por toda a parte bens padronizados para satisfazer às numerosas demandas, identificadas como distinções às quais os padrões da produção devem responder. Por intermédio de um modo industrial de produção, obtém-se uma cultura de massa feita de uma série de objetos que trazem de maneira bem manifesta a marca da Indústria Cultural: serialização-padronização-divisão do trabalho. Essa situação não é o resultado de uma lei de evolução da tecnologia enquanto tal, mas de sua função na economia atual.
De fato, a Indústria Cultural fixa de maneira exemplar a derrocada da cultura, sua queda na mercadoria. A transformação do ato cultural em valor suprime sua função crítica e nele dissolve os traços de uma experiência autêntica. A produção industrial sela a degradação do papel filosófico-existencial da cultura. Ao analisar os meios, Adorno sentencia afirmando que, “democrático, o rádio transforma a todos igualmente em ouvintes, para entregá-los autoritariamente aos programas, iguais uns aos outros, das diferentes estações” (2006, p.100), tornando os indivíduos em completos objetos dessa indústria.
Outro ponto importante a ressaltar, segundo Freitas (2008), é o fato claramente expresso por Adorno de que a “Indústria Cultural permanece a indústria da diversão” (Adorno, 2006, p. 112). Como indústria da diversão, a Indústria Cultural tem por principal função produzir a falsa sensação de prazer; tal sensação dá ao seu consumidor a ideia de que o mundo continua como ele é. Assim, vende-se ao consumidor a imagem estereotipada do que é bom, mau, traiçoeiro, feminino, masculino etc. Fica-se acostumado a somente entender o que se encaixa no modelo previamente estabelecido desses estereótipos. É o caso do vídeo-game que incita a buscar o falso prazer em aventuras a partir de percepções esquematizadas previamente. Como afirma o próprio Adorno:
O prazer acaba por se congelar no aborrecimento, porquanto, para continuar a ser um prazer, não deve mais exigir esforço e, por isso, tem de se mover rigorosamente nos trilhos gastos das associações habituais. O espectador não deve ter necessidade de nenhum pensamento próprio, o produto prescreve toda reação: não por sua estrutura temática – que desmorona na medida em que exige o pensamento – mas através de sinais (ADORNO, 2006, p. 113).

Apesar disso, a Indústria Cultural tem o poder de dar às pessoas a sensação de reconhecimento. Na perda de sua própria identidade, o individuo identifica-se nos produtos culturais, assimilando sua forma de vida à forma de vida pré-estabelecida pela mídia, “a semelhança perfeita é a diferença absoluta” (Adorno, 2006, p. 130). O prazer encontrado na Indústria Cultural é o resultado da satisfação que os consumidores culturais têm ao ter sanadas coletivamente suas necessidades pessoais. O indivíduo se projeta nas produções culturais e se realiza ao ver seus “heróis” realizados. Nessa linha mais Freudiana, Seligmann-Silva (2003) lembra que ao invés de permitir a sublimação, ou seja, a passagem da pulsão para o campo estético, a Indústria Cultural apenas reprime. É moralista, na mesma medida que pornográfica. Aquilo que ela nega, o prazer autêntico, ela substitui pela indústria do erotismo.
Contudo, a Indústria Cultural age como instrumento para a alienação da massa, inibindo sua consciência e instaurando o poder da mecanização sobre o homem. O homem moderno está tão dependente das máquinas que não lhe basta lidar com elas apenas no trabalho, fazendo agora da sua casa extensão de sua profissão. A ideologia da Indústria Cultural inculcou na massa a necessidade de acomodar-se na facilidade mecânica e eximir-se de qualquer atividade física ou mental; isso desde o uso imprescindível da calculadora até a impossibilidade de uma caminhada até a padaria. Com essa consciência infundida nos seus receptores, a cada dia a Indústria Cultural pode atraí-lo mais vorazmente ao seu fraudulento comércio movido a apelativas propagandas, como lembrava o próprio Adorno ao dizer que “a publicidade é seu elixir da vida” (1006, p. 134).
As necessidades dos consumidores, que inicialmente a Indústria Cultural parece conhecer e responder com eficiência, descobrem-se tardiamente muito mais geradas pela própria Indústria do que conhecida e respondida por ela. Impondo necessidades ao consumidor, a Indústria Cultural organiza-se para que ele compreenda sua condição de mero consumidor, ou seja, saiba-se tão somente objeto dessa Indústria. A dominação natural ideológica se instaurará quando o consumidor estiver, de fato, enquadrado nos moldes do sistema que o engloba, que mesmo, como diz Adorno (2006, p. 115), logrando continuamente seus receptores não cessa de fazer promessas tentadoras.
Os produtos culturais que não somente chegam às casas diariamente pelos seus meios massivos de comunicação, mas também lotam as vitrines de shopping centers, são oferecidos via catálogos, programas de porta-a-porta, além de tantas outras formas insistentes estão como que num bombardeio na sociedade. Em 1947, quando Adorno e Horkheimer cunharam criticamente o termo Indústria Cultural, isso não era sequer um terço do existente hoje, embora ideologicamente os princípios permaneçam. Mas vendo isso por um prisma bem característico da própria Indústria Cultural, parece que a sociedade alcançou o auge da democratização da arte, da cultura e da informação. A cada dia se recebe uma carga de informações tão grande que o cérebro humano nem sequer é capaz de processá-las. Há à disposição no mercado, e às vezes nem só à venda, mas também disponível para downloads, uma infinidade de músicas, vídeos, textos, jogos, imagens e tantas coisas mais. Isso sem falar nas constantes propagandas que chegam por todos esses meios e induzem à compra, mesmo que desnecessária.
Em conformidade com a onda de consumismo na qual a sociedade se insere, pode-se constatar que pela, e essencialmente na, Indústria Cultural tudo se transforma em artigo de consumo, e que no mercado a arte, a música, o cinema, o rádio, tudo pode ser comprado como uma mercadoria, transformando a cultura em algo negativo. Para Adorno, a Indústria Cultural não é democrática, ela se submeteu a dominação da técnica que é usada pelos meios de comunicação de forma original e criativa, de modo a impedir o homem de pensar de forma crítica, de imaginar, adestrando consciências, que fazem com que o que é transformado para efeitos comerciais sejam convertidos como um entretenimento para todos.

Considerações finais

A Indústria Cultural aparece então como uma crítica de seus autores ao sistema de comunicação vigente, principalmente nos Estados Unidos, no qual os poderosos usavam dos meios para colocarem verticalmente suas vontades sobre as massas que se sentindo satisfeitas com a vasta uniformidade cultural ao seu redor, não se via alienada de suas próprias vontades, interesses e necessidades.
Assim, a dialética entre indivíduo e sociedade percebe-se afetada. Isso se evidencia quando qualquer das partes deixa de contribuir com aquilo que deveria, ou quando permite que alguém o faça em seu lugar. Quando o indivíduo se esquiva de seu papel consciente na sociedade, não apenas se omite naquilo que lhe próprio, como também deixa de, com sua influência, colaborar para o aprimoramento do fluxo cultural de seu povo. Sociedade e indivíduo podem caminhar juntos, mesmo que aja sobre ambos um grande sistema que insista em imperar. Consciência é de construção própria, acrescida de características que também são próprias às pessoas próximas, quer dizer, consciência cultural.
O debate central a esse respeito parece então estar sempre ao redor de questões de ética. Os produtos culturais em si não são bons nem ruins. São simplesmente representações de alguma forma de expressão, seja artística, cultural ou intelectual. O eixo de discussão é o que fazer com a Indústria Cultural, ou talvez restringindo mais, o que fazer com essa vasta gama de produtos fornecidos por essa Indústria. O consenso mais iminente é que se faz necessária uma renovação, se não do sistema em si, mas da própria sociedade. Questões como: de que modo preparar melhor as pessoas para que o contato com tais produções não os aliene? Ou: Como criar condições para que as expressões mais populares da cultura também encontrem espaço na mídia? E ainda: Será possível pensar numa mídia alternativa?
Mesmo diante de tais questões, as possibilidades parecem ainda bastante escassas. A própria dominação capitalista impede que as camadas populares, de onde verdadeiramente a cultura floresce e frutifica, tenham qualquer autonomia. Sob o poder do capital está o indivíduo e sua personalidade. A sociedade, embora não saiba, se mostra reificada e alienada. Desenvolver a consciência individual pode ajudar a dar crédito verdadeiro à opinião pública, que ai já não será mais produto da ideologia dominante.


Cláudio Geraldo da Silva
Trabalho apresentado à filosofia da Cultura. Prof. Maurício Cruz. SDNSR.

Referências bibliográficas

ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Trad. Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
FREITAS, Verlaine. Adorno e a arte contemporânea. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
HUISMAN, Denis. Dicionário dos filósofos. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
REALE, Giovanni; ANTISERE, Dario. História da Filosofia: do romantismo aos nossos dias. Vol. III. 8. ed. São Paulo: Paulus, 2005.
SELLIGMANN-SILVA, Márcio. Adorno. São Paulo: Publifolha, 2003.
TEIXEIRA COELHO, José Neto. O que Indústria Cultural? 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. (Col. primeiros passos).